No dia 24 de Março de 1980, um homem atirou sobre Óscar Romero enquanto o arcebispo de El Salvador celebrava missa numa pequena capela hospitalar.
Até hoje não se sabe quem disparou nem precisamente qual foi a razão do crime e é por isso que o processo de beatificação de um homem universalmente respeitado como um bom líder cristão e um defensor dos pobres levou 35 anos a ficar concluído.
Normalmente, a elevação ao grau de beato na Igreja Católica requer a comprovação de um milagre operado por intercessão da pessoa em causa, mas há excepções. E uma delas é o martírio. Se uma pessoa for morta por ódio à fé, isto é, morta especificamente por ser cristã ou por defender valores cristãos, também pode ser declarada beata sem esse requisito.
No caso de Óscar Romero, e tendo em conta que não se comprovou a existência de qualquer milagre, a questão central do processo de beatificação tem sido saber se ele deve ser considerado mártir ou não.
"Morto ao altar"
O cardeal português D. José Saraiva Martins, que durante uma década foi prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, conhece bem este processo e explica qual era a dificuldade: "Havia quem dissesse que tinha sido morto não em ódio à fé, mas por motivos políticos. Nessa altura governava a direita política, então muitos atribuíram a sua morte aos que estavam no governo e que eram de direita, e então julgavam que Romero era de esquerda".
"Eu ocupei-me muito dessa causa, estudei-a profundamente e cheguei sempre à conclusão que o motivo pelo qual o mataram não tinha nada a ver com a política do país, da direita ou da esquerda, mas foi um motivo puramente religioso, por ódio à fé cristã."
Foi esta a conclusão a que chegou a congregação, por unanimidade, recomendando ao Papa Francisco que reconhecesse o martírio. "Ele foi morto ao altar. Através dele, quiseram atingir a Igreja que fluía do Concílio Vaticano II", dizia o decreto, concluindo que o assassinato "não foi causado por meros motivos políticos, mas por ódio a uma fé que, imbuída de caridade, recusava silenciar-se perante as injustiças que chacinavam, cruel e incansavelmente, os pobres e os seus defensores".
O Papa Francisco, que sendo da América do Sul tem uma especial afinidade por Romero, pôs fim a essa discussão ao declará-lo oficialmente mártir em Fevereiro.
Embora o assassino nunca tenha sido apanhado, nem tenha confessado o seu crime, tudo indica que Romero foi morto por ordem da junta militar. Foi silenciado apenas um dia depois de ter pedido aos militares salvadorenhos para, na qualidade de cristãos, obedecerem às ordens superiores de Deus e não cumprirem as do Governo que implicassem a violação dos direitos humanos básicos e a repressão.
Mesmo antes de ser beato, Óscar Romero já era venerado por muitos como padroeiro informal dos pobres e oprimidos. Agora, essa devoção popular está mais próxima de se tornar devoção oficial.