​O Natal segundo José Luís Brito
14-12-2020 - 15:31
 • ​Pedro Strecht

“Voltaria a fazer o mesmo. Uma vida humana não tem preço”, explicou humildemente José Luís Brito. Ele foi o homem que, como outros, vendo o sucedido não hesitou. Despiu a roupa que entregou ao seu filho de apenas sete anos e saltou sozinho para salvar quem não conhecia.

Uma boa parte deste Natal já aconteceu. Foi no sábado de manhã, em Lisboa, em pleno Tejo, junto ao cais das colunas.

De repente, há uma vida humana em perigo. Bem perto, muitas pessoas continuam o seu passeio, filmam com os seus telemóveis.

O corpo de um homem inerte boia nas águas sujas do rio. A face voltada para baixo, como o pequeno Alan Kurdi, a criança síria de apenas três anos de idade, que morreu da mesma forma ao largo da ilha de Lesbos, Grécia, e que o artista chinês Ai Wei Wei imortalizou na sua célebre fotografia em 2016.

“Voltaria a fazer o mesmo. Uma vida humana não tem preço”, explicou humildemente José Luís Brito. Ele foi o homem que, como outros, vendo o sucedido não hesitou. Despiu a roupa que entregou ao seu filho de apenas sete anos e saltou sozinho para salvar quem não conhecia.

Apenas um corpo sem rosto, boiando. Um desconhecido, como tantos com quem nos cruzamos diariamente. Um homem que minutos antes tentara o suicídio: de verdade, a procura da morte contém sempre um apelo escondido, um segredo dito em voz muda que apenas deseja uma coisa. A vida. Eu sinto que tenho de morrer para poder continuar a viver. Sem este sofrimento. Sem esta dor. Esta era a mensagem que recordava um dos meus mestres, Moses Laufer, director do Brent Adolescent Centre, em Londres.

A capacidade empática e a capacidade de dádiva são características recentes da evolução da espécie humana. Têm cerca de 25 a 30 mil anos os primeiros túmulos que mostram que alguém foi cuidado por outrem até à hora da sua morte. E mesmo doente ou incapaz, foi investido pelos outros que dele quiseram cuidar, celebrando a vida através do ritual da morte.

O menino do Lapedo corresponde a uma descoberta arqueológica feita em Portugal no ano de 1998. Pela primeira vez era encontrada a sepultura de uma criança envolta numa mortalha de tom vermelho, junto da qual existia um ramo de pinheiro queimado: cuidar, envolver, dar aroma. Celebrar a presença do outro no momento da sua dolorosa partida.

Ninguém pediu nada a José Luís. As imagens que documentam o seu ato heróico foram obra do acaso. Não agiu esperando recompensa ou celebração. Saltou para o desconhecido, com certeza arriscando a sua própria vida diante do filho, por um mero impulso de consciência.

Por breves minutos relembrou-nos o que tanto esquecemos e não praticamos ao longos dos dias, dos anos, em tantos Natais, afinal, como outros: cuidar de alguém. Estar perto dos que mais precisam. Ajudar os que sofrem e, silenciosamente, ainda vivem (?) em silêncio na sua imensa dor. Os que já não têm rosto e simplesmente flutuam ao sabor da corrente, tristes, esquecidos, perdidos.

Obrigado pelo exemplo, José Luís.

Obrigado pela luz!

Feliz Natal para ti!


Pedro Strecht, médico pedopsiquiatra