Covid-19: Sequenciação de genomas identifica relação entre casos de Felgueiras, Ovar e Viseu
13-05-2020 - 18:50
 • Joana Gonçalves

Portugal já sequenciou mais de 400 genomas do novo coronavírus. A análise do perfil genético dos vírus que circulam em território nacional permitirá avaliar a eficiência das medidas de contenção e, a longo prazo, desempenhar um papel “importante no desenvolvimento de vacinas mais dirigidas para as estirpes que estão a circular”, adianta especialista do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

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O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) analisou, até ao momento, 436 sequências do genoma do novo coronavírus, que representam 77 concelhos portugueses.

A análise do perfil genético dos genomas recolhidos em Portugal permitiu, para já, avançar com a hipótese de que a maioria dos casos de Covid-19 em Ovar tenha resultado de uma única introdução do vírus, no início de março, que desencadeou uma grande cadeia de transmissão neste concelho, que soma 636 casos confirmados até esta quarta-feira.

“Resultados preliminares apontam que este foco [em Ovar] poderá estar relacionado com o foco inicial no concelho de Felgueiras e ter progredido para outros locais, em particular o distrito de Viseu, onde se detetaram já alguns genomas do mesmo sub-clade genético”, lê-se no relatório de situação divulgado esta terça-feira no site do INSA que monitoriza a sequenciação do genoma do novo coronavírus em Portugal.

Identificar cadeias de transmissão, avaliar a eficiência das medidas de contenção, determinar perfis mutacionais da Covid-19 e aferir a resistência de determinadas linhagens do vírus a certos fármacos são alguns dos objetivos deste estudo cofinanciado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

“A sequenciação do genoma é bastante importante para conhecermos a diversidade genética deste novo coronavírus em Portugal. Como qualquer agente patogénico é importante fazer uma vigilância ativa que nos permita caracterizar este microrganismo e a sua diversidade e saber que estirpes estão a circular no nosso país e enquadrá-las num contexto global”, explica, em entrevista à Renascença, Vítor Borges, bioinformático que integra a equipa coordenadora da etapa final do processo de sequenciação genómica, no Instituto Ricardo Jorge.

O processo está ainda numa fase inicial, mas para já é possível identificar quatro principais linhagens do vírus, que circulam em território nacional. A mais comum, identificada em 87,8% dos genomas sequenciados, coincide com a que apresenta maior representatividade em toda a Europa.

Quanto às restantes é possível apontar uma linhagem que na sua maioria foi detetada em Évora e que poderá ter origem em Espanha e uma outra frequente nos Países Baixos que foi detetada exclusivamente no arquipélago da Madeira.

Mas poderá alguma destas linhagens representar uma manifestação da doença mais severa ou um risco de contágio maior? “Para já não há, ainda, evidências muito substantivas de que haja uma linhagem mais ou menos severa que as outras”, garante Vítor Borges.

“Neste momento estamos em contacto com as autoridades locais para recolhermos dados muito concretos, na tentativa de perceber se, de facto, há linhagens que têm maior capacidade de transmissão e são mais problemáticas, no contexto da dimensão do vírus, ou por outro lado se há algumas linhagens que são mais severas. Ter essa informação é muito útil para no futuro podermos dar uma resposta ativa, com base na sequenciação do genoma, podermos informar os clínicos e as autoridade de saúde de que, por exemplo, neste concelho circula uma linha mais ou menos virulenta”, acrescenta.

O investigador, que coordena a INSaFLU, uma plataforma bioinformática online para análise e comparação do genoma completo do vírus influenza, adianta ainda que já foram detetadas mais de 350 mutações distintas no conjunto dos 436 genomas analisados até à data.

“A taxa de mutação é bastante típica destes vírus, SARS-CoV, e é uma taxa de mutação que se estimou logo no início - cerca de duas mutações por mês. O que quer dizer que os vírus que estamos agora a sequenciar têm, em média, oito a nove mutações em relação ao primeiro genoma que foi sequenciado na China”, esclarece o investigador.

A sequenciação genómica é um processo longo com início na recolha de amostras e extração do material genético do novo coronavírus, que passa pela multiplicação desse material genético “para que possamos ter quantidade suficiente para sequenciar”, a que se segue o envio do material para a equipa responsável pela manipulação do aparelho de sequenciação, que devolve os dados em bruto para que sejam montadas “as milhares de peças do puzzle”.

O trabalho de preparação foi iniciado ainda antes de ter sido confirmado o primeiro caso de Covid-19 em Portugal e começa agora a revelar as primeiras pista para decifrar o labirinto que esconde a origem do surto e a disseminação do vírus a nível nacional.

“Vamos perceber muito daquilo que se passou, como foram as entradas, se as medidas de contenção que foram tomadas nalguns locais bloquearam, de facto, determinadas cadeias de transmissão que não foram continuadas ou se, por acaso, apesar das medidas tomadas, determinadas cadeias continuaram e levaram a outros focos fora desses concelhos”, adianta o especialista da Unidade de Bioinformática, do Departamento de Doenças Infeciosas do INSA.

Para além do Instituto Ricardo Jorge, também o Instituto de investigação i3S, da Universidade do Porto, e o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) estão envolvidos no processo de sequenciação do genoma do SARS-CoV-2, em Portugal.