Em 2011, a Hungria aprovou uma nova Constituição e a Europa reagiu com furor. Desde acusações de ditadura e de retrocesso civilizacional, houve um pouco de tudo.
A Constituição foi criticada por alguns sectores da comunidade internacional por definir o casamento como uma união só entre o homem e a mulher e por, alegadamente, restringir a liberdade de imprensa, entre outros aspectos.
Seis anos mais tarde, um dos autores do documento, Gergely Gulyás, presidente da bancada parlamentar e figura em ascensão no universo do Fidesz, partido do Governo desde 2010, diz que as críticas já não têm relevância.
“Penso que pertencem ao passado porque na prática já foi provado que é uma boa Constituição. O Conselho da Europa afirmou, em 2013, que esta é a primeira constituição democraticamente aprovada na Hungria. Nela encontram-se todas as leis fundamentais e penso que se integra na herança constitucional comum da Europa”, afirma Gergely Gulyás em entrevista à Renascença, durante uma visita a Portugal.
Para este deputado, as principais críticas de que o seu país tem sido alvo devem-se a um conflito de valores que se vive na Europa actualmente. “Na Europa temos agora um debate aceso sobre valores. Na nossa Constituição inscrevemos as raízes cristãs, os valores cristãos. Definimos o casamento como sendo entre um homem e uma mulher”, explica, como exemplo.
A adopção deste discurso e destes princípios colocou a Hungria num campo diametralmente oposto ao das nações europeias do Norte e do Sul, onde a legislação sobre as chamadas “questões fracturantes” tem sido marcadamente progressista. Mas a Hungria não está sozinha, fazendo-se acompanhar de outros Estados da Europa Central, como a Polónia e a Eslováquia, por exemplo.
Neste conflito de valores acabam por se ver associados à Rússia de Vladimir Putin, que também se afirma um defensor dos valores tradicionais da Europa. Um paradoxo, uma vez que a história recente destes povos tem sido precisamente marcada pela tentativa de se afastarem da influência russa.
“Na Hungria ninguém questiona o facto de sermos membros de uma aliança forte na NATO e na União Europeia. Este era o objectivo de todos os partidos depois da queda do comunismo. Para nós é um enorme sucesso pertencermos à União Europeia e à NATO e não queremos mudar essa situação”, diz.
“Ao mesmo tempo, a Hungria sempre defendeu a diversificação da energia, mas a União Europeia falhou nesse aspecto. Por isso, nós temos de comprar energia, e sobretudo gás, da Rússia. Essa é a realidade económica. Mas nós não temos qualquer aliança com a Rússia, temos uma parceria pragmática, sobretudo económica, e não queremos que ela vá para além disso.”
Apesar das diferenças de valores, insiste que “a União Europeia é muito popular na Hungria, 75% dos eleitores apoiaram a adesão, foi um dos valores mais altos da União Europeia. Ao mesmo tempo a Rússia apoiou a ditadura comunista e por isso a Rússia não é muito popular na Hungria”, explica, sublinhando a ironia de que “há países que nos têm criticado e onde a União Europeia não é tão popular como na Hungria”.
O dia nacional da Hungria, que se assinala esta segunda-feira, celebra-se a 23 de Outubro, precisamente em recordação do levantamento popular contra o comunismo em 1956, que acabaria por falhar.
Meninos maus da Europa ou guardiões das fronteiras?
Outra área em que a Hungria tem sido muito criticada é no campo da migração e dos refugiados. Tornaram-se célebres, no auge da onda de refugiados, as imagens dos muros e das redes nas fronteiras e o Governo não escondeu que pretendia uma política de “zero refugiados”, contrastando com a posição e os apelos até dos principais líderes cristãos da Europa, incluindo o Papa Francisco.
Gergely Gulyas não disfarça nem pede desculpa por esta posição do seu Governo e diz que reflecte a vontade popular. “Os húngaros jamais aceitarão sociedades paralelas. No que diz respeito à migração temos uma opinião muito forte. Respeitamos as outras opiniões na Europa, mas acreditamos que é o nosso direito continuar a defender estes valores.”
Mas existem também razões pragmáticas, insiste. “O tratado de Dublin diz que os países podem enviar os imigrantes de volta para o estado-membro por onde entraram. Logo, o governo alemão, ou qualquer outro, pode enviar estes imigrantes de volta para a Hungria. É por isso que a protecção das fronteiras é muito, muito importante para nós”.
“Ao mesmo tempo, estamos a falar da importância do direito na Europa. Se somos estados de direito então temos de cumprir com os nossos deveres internacionais e europeus e o tratado de Schengen diz que todos os estados membro devem proteger as fronteiras exteriores da Europa. Foi isso que fizemos. E fomos os únicos a fazê-lo. Alguns dos Estados que na altura nos criticaram depois seguiram o nosso exemplo.”
Esta posição, insiste, não traduz falta de solidariedade nem existe uma hostilidade geral para com estrangeiros. “Na Hungria recebemos toda a gente que gostaria de ver a Hungria e conhecer a cultura húngara. Mas, ao mesmo tempo, acreditamos que devemos poder decidir se queremos viver ao lado de pessoas de outras culturas e continentes, ou não. Nós decidimos que não podemos integrar dezenas de milhares de pessoas de outras culturas e religiões. Não se trata de hostilidade, faz parte da vida e é uma decisão da sociedade.”
A prova de que não existe antipatia, explica, é que a Hungria aposta na ajuda aos povos nos seus países de origem. Budapeste é a única capital de um país europeu onde existe uma secretaria de Estado dedicada unicamente aos cristãos perseguidos no mundo, que acaba de organizar uma conferência sobre a situação dos cristãos, e outras minorias, no Médio Oriente, e o Governo tem um programa, chamado “Hungary Helps”, que desenvolve projectos de apoio em países em crise, com o objectivo declarado de evitar que os mais pobres e perseguidos precisem de abandonar as suas nações para vir para a Europa.