Perante um cenário de quarentena as vítimas de violência doméstica podem ficar mais expostas. Daniel Cotrim, psicólogo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, não possui dados que permitam saber se este novo contexto, provocado pelo surto de coronavírus,mais apertado depois da entrada em vigor do estado de emergência, resultará num aumento de queixas e denúncias.
No entanto, assinala que alturas de maior proximidade, "como férias, ou períodos após as festas como natal e páscoa, normalmente são acompanhadas por um maior número de queixas de denúncias de violência doméstica, que tem exatamente a ver com a questão das pessoas estarem mais próximas, o que aumenta conflito e agrava a situação de violência doméstica que já existia".
Em entrevista à Renascença, o psicólogo alerta para "alguns dados empíricos que nos chegaram de uma organização que trabalha no âmbito da violência doméstica na China", que reporta um aumento de cerca de 90% dos crimes de violência doméstica face a fevereiro do ano passado.
O surto de coronavírus teve início na província chinesa de Hubei, em finais de dezembro de 2019. Os número no país já chegaram aos 81 mil infectados, no entanto o número de novos casos tem vindo a decrescer e a Europa, que regista uma tendência inversa, é agora o epicentro da pandemia.
"É a primeira vez que nos vemos confrontados com uma realidade destas", adianta Daniel Cotrim.
As vítimas não estão sozinhas
O apelo ao isolamento social é claro, especialmente entre grupos de risco, e o estado de emergência prolonga-se até 2 de abril. O acesso aos serviços da APAV está limitado - os serviços de atendimento estão encerrados -, mas Daniel Cotrim ressalva que as linhas de apoio foram reforçadas e, "se tal for necessário, e for feita a avaliação de grau de risco, as vítimas poderão ser recebidas nos nossos gabinetes de apoio. As articulações com as outras organizações mantêm-se. O estado de emergência não interrompe o direito à vida, a sermos felizes e a vivermos em paz", reforça em entrevista à Renascença.".
O supervisor das casas abrigo da APAV sublinha que "neste momento e mais que nunca saibam que não estão sozinhas". A APAV garante estar atenta e apela a que tanto vítimas como testemunhas procurem mecanismos de sinalização alternativos.
"Temos que pensar em mecanismos para pedirmos ajuda e tornar clara a nossa situação aos nosso vizinhos. Colocando um elemento na janela ou aproveitando um momento em que se vai à rua para se ir fazer compras", explica.
Apelo à cidadina ativa
O psicólogo reconhece, porém, que não é uma tarefa fácil e, por isso, deixa "um apelo insistente e profundo à cidadania". "Temos de ser cada vez mais uma comunidade ativa. Quando ficamos em casa para nos protegermos e protegermos os outros, também não nos podemos esquecer daquelas que vão ser homens, mulheres, crianças ou idosos vítimas de violência. Temos que estar atentos e temos que denunciar", observa.
"É um dever de todos ajudar. Devemos sempre fazer a denúncia, ainda que seja anónima, com informação suficiente, porque mesmo que alguém diga que não está a passar por uma situação destas, esta pessoa vai ficar referenciada e isso é muito importante", conclui
35 as mulheres, homens e crianças assassinadas em Portugal no contexto de violência doméstica em 2019.
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