8chan. Os fóruns sem regras onde os atiradores espalham mensagens de ódio
05-08-2019 - 14:25
 • Sofia Freitas Moreira

Apresentam-se como "os lugares mais sombrios da Internet", mas estão online à vista de todos. Nos últimos seis meses, três suspeitos de tiroteios partilharam os seus planos no 8chan. O último foi o autor do tiroteio em El Paso, no Texas. Esta segunda-feira, o site ficou "offline" mas voltou a ser ativado. "Permitiu-se durante demasiado tempo que estas coisas pudessem acontecer de forma completamente descontrolada", alerta o investigador Luís Santos.

Três autores de tiroteios nos EUA usaram o 8chan, um site que funciona como uma plataforma de mensagens online, para alegadamente publicarem os planos dos seus ataques antes de executarem os crimes. São três casos semelhantes num espaço de seis meses.

Um manifesto com quatro páginas e cerca de 2.300 palavras, intitulado “O ataque ao Walmart: ‘uma resposta à invasão hispânica do Texas’”, foi alegadamente publicado no 8chan momentos antes do tiroteio deste sábado, num centro comercial no Texas, nos Estados Unidos.

Ao longo do dia de sábado, utilizadores conversaram sobre o massacre e o suspeito, muitos referindo-se ao alegado atirador como "o nosso homem" ["our guy"], glorificando o resultado do atentado e o número de vítimas mortais.

“Com base em provas a que tivemos acesso, aparentemente o atirador postou uma longa lista de reclamações ['screed'] no site, momentos antes de iniciar o seu assustador ataque ao Walmart de El Paso, matando 20 pessoas”, explica o presidente da Cloudflare, a empresa de serviços de segurança que garantia que o 8chan se mantinha online e livre de ciberataques.

"Resolvemos o nosso problema, mas não resolvemos o problema da internet”

Vinte e quatro horas antes de o 8chan ter ficado "offline", Matthew Prince, CEO da Cloudflare, tinha dito ao "The Guardian" que pretendia manter uma posição neutra relativamente ao tipo de conteúdos do fórum. No entanto, no domingo à noite, Prince revelou, num blogue, que teria mudado de opinião, retirando os serviços da sua empresa ao site.

“Eles provaram a sua conduta ilegal e essa ilegalidade provocou múltiplas mortes trágicas”, escreveu o CEO da Cloudflare. “Através desta ação, resolvemos o nosso problema, mas não resolvemos o problema da internet.”

Alguns minutos depois da decisão da empresa, o 8chan ficou indisponível, desaparecendo da internet. Mas o fórum extremista rapidamente mudou de servidor de segurança, passando para a BitMitigate, sedeada em Washington, nos EUA, e voltando assim a ficar disponível.

"Durante demasiado tempo se permitiu que estas coisas pudessem acontecer"

O incidente não é caso único. O suspeito do massacre em Christchurch, na Nova Zelândia, que vitimou 51 muçulmanos, postou várias publicações de cariz supremacista no site. O alegado atirador do ataque a uma sinagoga em Poway, na Califórnia, que matou uma pessoa e feriu três, também utilizou a plataforma para, alegadamente, partilhar uma carta aberta racista e anti-semita.

Para Luís António Santos, especialista em media e comentador da Renascença, “permitiu-se durante demasiado tempo que estas coisas pudessem acontecer de forma completamente descontrolada e agora essa perceção mudou", algo que considera "moderadamente positivo”.

Comparando o caso da 8chan ao tráfico de drogas, o investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho (CECS) considera que “não é porque os agentes fizeram uma grande captura que presumimos que o tráfico de droga desapareceu". "Não podemos dizer aos agentes de autoridade que é melhor desistir."

A "abraçar a infâmia" desde 2014

O 8chan é um website que alberga mensagens geradas pelos utilizadores. Os tópicos dos fóruns são escolhidos e geridos livremente pelos participantes anónimos e a sua única regra é não se poder publicar conteúdo que seja ilegal nos Estados Unidos.

O site segue o modelo do 4chan, com a diferença de que no 4chan o fundador tinha o poder de excluir certos tópicos ou fóruns inteiros. Fredrick Brennan, criador do 8chan, queria liberdade de expressão absoluta, sem restrições. Quando o 4chan baniu o tema do assédio misógino no contexto da indústria de vídeojogos, conhecido como "Gamergate", o 8chan ocupou o vácuo deixado e ganhou popularidade.

O 8chan chegou a ficar "offline" na sequência de queixas de que estaria a alojar mensagens sobre pornografia infantil.

As mensagens de teor extremista sempre caracterizaram a plataforma fundada em 2014 por Fredrick Brennan, que mais tarde se distanciou do site. Hoje, Brennan é a favor do encerramento do fórum.