O Papa vai receber, neste Dia da Mulher, no final da Audiência Geral, duas cristãs nigerianas vítimas do Boko Haram. A iniciativa do secretariado italiano da Fundação AIS insere-se na campanha global “SOS Cristãos da Nigéria”, da Ajuda à Igreja que Sofre sobre a perseguição religiosa neste país africano.
Além do encontro com o Santo Padre, Maryam, de 19 anos, e Janada, de 22 anos, têm encontros previstos com o presidente da Câmara de Roma Lorenzo Fontana, com a primeira-ministra Giorgia Meloni, e com o ministro das Relações Exteriores Antonio Tajani. Previsto está também um encontro com o cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, e com diplomatas acreditados junto à Santa Sé.
As duas jovens têm estado em tratamento no “Trauma Center de Maiduguri”, na capital do Estado de Borno, no nordeste da Nigéria, uma estrutura da Igreja, erguida com o apoio da Fundação AIS, para auxiliar pessoas que viveram experiências dramáticas, nomeadamente em consequência de ataques do grupo terrorista Boko Haram, muito ativo no norte da Nigéria, região onde quer implantar um “califado”. Ao longo dos últimos 13 anos, este grupo jihadista já causou mais de 75 mil mortos.
“É difícil perdoar e esquecer”
Janada Marcus é cristã, tem apenas 22 anos, mas de acordo com a AIS, “parece carregar todo o sofrimento do mundo. Ela está ainda a recuperar o trauma por que passou durante os dias em que esteve em cativeiro após ter sido raptada por terroristas do Boko Haram”.
Janada foi capturada no dia 9 de novembro de 2020, quando ia a caminho de uma repartição governamental. “Levaram-me para o mato e torturaram-me severamente, emocional, física e mentalmente durante seis dias. Sofri muitas experiências terríveis e perversas – sem explicação – que fizeram com que esses seis dias parecessem seis anos”, relata à fundação pontifícia.
Foi libertada a 15 de novembro de 2020 e depois de ter passado alguns dias com a mãe foi para o Centro de Traumatologia, da responsabilidade da Diocese de Maiduguri”, e foi aí que partilhou a sua vida com a AIS.
Alem dos seis dias em cativeiro que deixaram uma marca profunda na sua vida, guarda outros episódios muito traumáticos que dificilmente alguma vez conseguirá superar na totalidade. Um deles, ocorreu em outubro de 2018, quando um grupo de terroristas apareceu nos arredores da cidade de Maiduguri, num pedaço de campo que a família cultivava e quiseram obrigar o pai de Janada a ter relações sexuais com a própria filha. A sua recusa valeu-lhe a morte imediata. Foi decapitado à frente de todos. Nesse dia, os terroristas não fizeram mais nada, mas iriam voltar a assombrar a vida de Janada dois anos mais tarde.
Esta cristã está agora no Centro de Traumatologia da Diocese de Maiduguri. Trata-se de uma estrutura que foi erguida com o apoio da Fundação AIS para o tratamento psicológico e reabilitação das vítimas do terrorismo na Nigéria.
“Aprendi a largar o meu passado; aprendi a arte de curar, largando a minha dor. A minha fé fortaleceu-se”, diz, embora tenha admitido que chegou a estar afastada de Deus, nos momentos de maior tribulação. Conseguiu reaproximar-se de Deus e até já conseguiu perdoar aos terroristas que a violentaram há dois anos. “É difícil perdoar e esquecer, e com tudo aquilo por que passei às mãos de Boko Haram nem consigo acreditar que sou eu que digo isto, mas perdoei-os no meu coração, e rezo pela redenção das suas almas”, conta à AIS.
Nove anos de terror
Maryamu Joseph esteve também em cativeiro numa floresta no norte da Nigéria. Hoje tem 16 anos, mas era ainda uma criança quando foi levada da sua aldeia, Bazza, por terroristas do Boko Haram. Raptada em 2014, aos 7 anos, Maryamu passou todo este tempo num verdadeiro inferno no acampamento dos jihadistas na floresta de Sambisa, até que, fortuitamente, conseguiu fugir.
Em liberdade, ao fim de nove anos de terror, está também em tratamento no Centro Traumático da Diocese de Maiduguri e aceitou contar a sua história à AIS.
“O Boko Haram atacou a minha comunidade em fevereiro de 2013. Depois de uma matança que provocou inúmeros mortos, levaram 22 de nós para uma floresta densa e caminhámos durante 22 dias antes de chegarmos ao destino. Colocaram os cristãos em jaulas, como animais”, recorda na sua língua materna, hausa.
“A primeira coisa que eles fizeram foi converter-nos à força ao Islão. Mudaram o meu nome para Aisha, um nome muçulmano, e avisaram-nos para não rezarmos como cristãos, ou seríamos mortos. Quando fiz 10 anos, queriam casar-me com um dos chefes, mas recusei. Como castigo, trancaram-me numa jaula durante um ano inteiro. Traziam comida uma vez por dia e passavam-na por debaixo da porta, sem nunca abrirem a jaula”, relata
A jovem de 16 anos de idade não esquece o dia, em novembro de 2019, em que os terroristas capturaram também dois dos seus irmãos e os levaram para o acampamento onde ela se encontrava, matando um deles à sua frente.
Mas o pesadelo haveria de acabar. Foi há precisamente oito meses, no dia 8 de julho, quando, aproveitando um momento de distração, conseguiu fugir com mais uma dúzia de companheiros de infortúnio. Conseguiram chegar a Maiduguri e foram levados para um acampamento da Igreja.
A experiência no Centro de Traumatologia está a ser muito importante para este processo. “A primeira coisa que fizeram foi rezar por mim e encorajar-me a voltar à minha fé. Estou feliz por regressar ao cristianismo. Desde que regressei a Maiduguri, a dor diminuiu. Espero que, com o tempo, Deus me ajude a superar a amargura e a abraçar a paz”, diz.
SOS cristãos da Nigéria
A Fundação AIS está a promover, durante a Quaresma, uma grande campanha de apoio à Igreja na Nigéria, onde os Cristãos são alvos constantes de ataques e perseguição.
O objetivo da iniciativa é apoiar a comunidade cristã, vítima de perseguição, mas também sensibilizar a opinião pública para uma realidade que, tantas vezes, é completamente desconhecida.
“É preciso que o mundo conheça estas histórias, é preciso que o mundo saiba que na Nigéria os cristãos são perseguidos de forma brutal por grupos jihadistas, como o Boko Haram, mas também pelas próprias autoridades, pelo Governo, que os discrimina”, defende Catarina Martins de Bettencourt.
A diretora da Fundação AIS em Portugal realça que “os cristãos da Nigéria são verdadeiros heróis que arriscam a vida pela sua fé e são, por isso, para todos nós, um enorme exemplo de coragem, de abnegação. Temos o dever de os ajudar, temos o dever de responder aos seus apelos”.