José Silva Peneda, ex-presidente do Conselho Económico e Social (CES) e histórico social-democrata, defende uma abstenção do PSD que viabilize a descida da Taxa Social Única (TSU), a contrapartida aos patrões prevista no acordo de concertação social para a subida do salário mínimo para 557 euros.
“O PSD devia abster-se na votação. A alternativa é votar o texto que o Bloco de Esquerda irá apresentar. Não conheço o texto, não sei o que estará lá escrito, mas, calculo que apareça todo um conjunto de considerandos a que o PSD ficará vinculado se votar favoravelmente”, defende Silva Peneda, no Conversas Cruzadas, a propósito da polémica sobre a redução da TSU.
O ex-presidente do CES ocupou durante a semana parte do foco mediático por ter escrito uma carta aberta a Passos Coelho. No documento, o militante do PSD diz ter dificuldade em aceitar que o seu partido “vote ao lado de quem nunca valorizou a concertação social”, mas aceita o facto do “governo PS ter agido com ligeireza não assegurando condições para garantir o acordo”.
“Portanto, tudo seria diferente se o PSD tivesse tido uma iniciativa própria e não fosse a reboque de outros. Este é o meu ponto. Se o PSD tivesse dito: 'sou contra e vou apresentar na AR uma rejeição' aí estaria totalmente de acordo. Mas quem tomou a iniciativa foram o PCP e o Bloco de Esquerda”, sustenta Silva Peneda.
O chumbo da descida selectiva da TSU em 1,25 pontos percentuais deverá ser formalizado na quarta-feira depois da votação do pedido de apreciação parlamentar do BE, que, apesar do PCP ter sido o primeiro a apresentar idêntico solicitação, levou a dianteira no agendamento da conferência de líderes.
Num fragmento do texto a ser votado, adiantado pelo "Expresso", o BE sustenta que a baixa da TSU “é uma medida errada que deve ser anulada” por, entre outros aspectos, conferir “um benefício às empresas que pagam salários mais baixos” e representar “um estímulo a baixas remunerações. A baixa da TSU sempre causou ondas de choque à esquerda, em particular desde 2012 quando o governo de Passos Coelho sugeriu a redução da taxa a pagar pelas empresas de 23,75% para 18%.
No Conversas Cruzadas, Luís Aguiar-Conraria contrapõe às reservas de Silva Peneda a leitura política de que quando o governo acorda o que não consegue cumprir o equilíbrio da plataforma que sustenta o governo, à esquerda do PS, será mais frágil do que os socialistas apregoam. “Aí a implicação política é a de que os partidos de esquerda estão a criar problemas ao governo. O PSD até pode gostar da leitura”, sugere o professor da Universidade do Minho.
Silva Peneda: “PSD vai a reboque da extrema-esquerda. É isso que condeno”
Silva Peneda mantém a crítica, defendendo que uma abstenção era compatível com a censura do governo PS. “Mais: o PSD até pode dizer - e estou de acordo - que a estabilidade política está ameaçada. O PSD pode fazer este discurso e pode abster-se na votação. Até pode dizer que o caso prova que a tão apregoada e assegurada estabilidade não é, neste momento, tão forte quanto isso. Agora, o que o PSD não pode é votar favoravelmente o documento do BE e PCP”.
Luís Aguiar-Conraria retoma o argumento: “Mas se o discurso da direcção do PSD, desde o início, é o de que este Governo não tem legitimidade política para ser Governo - discurso com o qual não concordo, fique claro - como é que pode deixar de aproveitar uma oportunidade destas? A única forma de derrubar uma coligação é aprofundando as divisões internas...”, observa.
“Para já não derruba o Governo”, responde Silva Peneda. “Trata-se de aproveitar uma oportunidade? E para isso vai a reboque dos outros? Vai a reboque da extrema-esquerda? É isso que eu condeno”, afirma o antigo ministro do Trabalho e da Segurança Social em governos de Cavaco Silva.
“Portanto, não deixo de criticar a forma com o PS decidiu resolver o problema - fê-lo de forma ligeira, subvalorizando e desconsiderando os partidos na Assembleia da República, mas o que me custa é que o PSD se estava contra - e tinha todas as razões - para estar devia ter sido o primeiro a tomar a iniciativa”, prossegue Silva Peneda.
“Quando o acordo foi feito, o PSD devia ter dito 'estamos contra' e vamos promover uma iniciativa na Assembleia da República. Não o fez. E é preciso um partido da esquerda marxista que sempre apoiou a luta de classes - e que na sua filosofia quer que uma classe esmague a outra, ao contrário do PSD que sempre foi interclassista com acção na base do compromisso - para que o PSD reaja”, diz o ex-presidente do CES.
“Vejo o meu partido a reboque do Bloco de Esquerda e do PCP. É isso que me custa muito engolir. O meu problema não é contra o conteúdo: é quanto à forma que a votação vai assumir”, sublinha José Silva Peneda, que reage também à vaga de críticas e apreciações positivas que a carta aberta a Passos Coelho foi recebendo, ao longo da semana em várias colunas de opinião.
“A carta foi escrita por um imperativo de consciência. Pelo meu passado, pelo que fiz nestas áreas, senti ter a obrigação moral de dizer o que penso e não ficar comodamente sentado à espera da evolução das coisas. É evidente que quem assume posições destas está sujeito a receber críticas e elogios”, reconhece Silva Peneda.
“Estou totalmente de acordo de que foi péssima a forma como o Partido Socialista geriu todo este processo. O PS deu de barato que o PSD não contava. Aceito perfeitamente esta interpretação. Mais: quanto à substância da medida da descida da TSU, várias vezes a utilizei, mas como medida activa de promoção do emprego”, relembra.
“A Taxa Social Única que utilizei, na altura em que fui ministro, na província de Setúbal, no Vale do Ave para promoção do emprego de jovens, de desempregados de longa duração, de deficientes foi sempre como medida activa de emprego. Eu dizia: 'se empregarem pessoas nestas condições têm aqui um incentivo'. Agora esta decisão não constituiu uma medida activa de emprego. É uma medida de subsídio de empregos já existentes. Também concordo que o decreto, tal como está redigido, afunila a aplicação e os efeitos são muito limitados”, concede Silva Peneda.
“Se fosse eu a tomar uma decisão em nome do PSD seria muito violento contra o governo nesta matéria. Diria que a anunciada estabilidade não parece tão lógica quanto isso, mas não deixaria de ser sensível ao valor da Concertação Social”, diz o ex-presidente (2009-2015) do Conselho Económico e Social.
Luís Aguiar-Conraria: “Não há descida de TSU para contratar desempregados”
Já Luís Aguiar-Conraria sublinha o carácter mais discutível do acordo “Objectivamente dizer que este é um acordo livre, não é certo. Não é um acordo livre. Antes do início das negociações da Concertação Social já era um facto o aumento do salário mínimo. Isto é tudo menos um acordo livre”, afirma o professor de economia da Universidade do Minho.
“Aí, o senhor está a censurar os parceiros sociais”, contradita Silva Peneda. “Está a dizer que os parceiros sociais não são livres”, prossegue. “Não sou capaz de dizer isso. Tenho respeito pelos parcerios sociais. O PSD tem um histórico nessa área. Se assim fosse os parceiros sociais poderiam ter sido ao governo já está definido, não há acordo'. Não aconteceu isso”, diz o economista.
“Os parceiros sociais celebraram um acordo. A UGT fez um acordo. Os patrões todos fizeram um acordo. Talvez pelo meu passado, pela forma de ver os problemas, valorizo muito esse aspecto. Pesando na balança as críticas que tenho de fazer e o acordo, valorizo muito mais o acordo. O senhor não o faz”, diz Silva Peneda em diálogo com Luís Aguiar-Conraria.
“Nunca na história do Portugal democrático a Assembleia da República colocou em causa acordos de concertação social. Pode pô-los. Quando fui ministro, eu chegava, muitas vezes, á AR e dizia: 'tenho aqui um acordo sobre leis laborais - lembro-me perfeitamente - mas, referia sempre, se quiser a AR pode alterar'. Agora, devem saber que este texto foi acordado com todos os parceiros sociais e a AR sempre respeitou o acordado em Concertação Social", diz Silva Peneda.
"Mas fazer o contrário está também perfeitamente dentro das suas atribuições. No raciocínio político que estou a desenvolver, na minha visão partidária - falo como militante do PSD - defendo que é mau aproveitar esta oportunidade. Julgo ser mau para o futuro do PSD”, afirma José Silva Peneda.
Já Luís Aguiar-Conraria retoma a linha argumentativa que procura acentuar os limites de representatividade nas reuniões da CS. “Quando estamos a falar de Concertação Social e dos parceiros que lá estão devemos dizer que os parceiros representam-se a si mesmos e não quem lá não está. Prova disso é não haver descida da TSU para quem está desempregado e seja de novo contratado. É a demonstração clara de que não interessa quem lá não está representado. Mas, independentemente disso, sendo parceiros, sindicatos e entidades patronais o que têm de estar ali a discutir são questões laborais”, defende o professor da Universidade do Minho.
“A partir do momento em que começam a discutir financiamento da segurança social estão a discutir para além do que devem. Estão a discutir matérias da competência da Assembleia da República que não está representada na Concertação Social. No caso das leis laborais, os dois lados estão representados e a AR pode assinar por baixo. Agora, não faz sentido que sindicatos e patrões definam, por exemplo, a redução do financiamento da Segurança Social e não se pode exigir a um parlamento que assine por baixo”, faz notar Luís Aguiar-Conraria.
Silva Peneda discorda. “A CS tem competência para isso e para muito mais. Tudo o que política económica pode e deve ser discutida na Concertação Social. Isso está consagrado na lei. Agora, nada impede que o parlamento tome decisões totalmente contrárias ao decidido em sede de Concertação Social”, indica o ex-presidente do CES.
Álvaro Santos Almeida: “Solução governativa não tem estabilidade”
Neste ponto junta-se ao debate Álvaro Santos Almeida. “A Concertação Social só é uma legítima representação da vontade dos portugueses se todos os portugueses lá estiverem representados. E quem lá está? Estão representadas as confederações patronais, os trabalhadores e o Governo. O governo deve ser o intérprete da vontade de todos os outros, mas para isso terá de ter a tradução de uma maioria que apoie e dê forma a essa interpretação”, refere o professor da Universidade do Porto.
“O PS não tem essa maioria. Portanto, fez um acordo ilegítimo porque se comprometeu com matérias que não tinha condição de ver cumpridas. Portanto, se o acordo foi mal feito há que rejeitar o acordo”, sustenta o economista ex-quadro superior do FMI, em Washington.
“Desde o início desta solução governativa que o PSD disse não contem connosco para viabilizar as medidas que a esquerda não apoiar. O PSD colocou essa condição desde o início. O PSD disse que o governo para ser estável terá de procurar essa estabilidade à esquerda. Ora, o PSD não seria coerente se deixasse passar a oportunidade de tradução prática desse enunciado político”, defende Álvaro Santos Almeida.
Silva Peneda contrapõe: “Mas o vice-presidente do PSD saudou o acordo”. Álvaro Santos Almeida discorda da interpretação às palavras de Marco António Costa. “Não saudou. O que o vice-presidente do PSD disse foi: a haver redução da TSU deve ser para todos. Não é a mesma coisa que dizer estar de acordo com o que foi acordado. Só disse que a haver redução tem de ser para todos. Acho muito bem”, refere o economista da Universidade do Porto.
Silva Peneda volta a questionar: “E porque é que o PSD não tomou de imediato uma posição e vai a reboque do Bloco? Responde Aguiar-Conraria: "Porque não pensaram no assunto. Pensaram mais tarde. As coisas têm de ser amadurecidas".
Silva Peneda não esconde a ironia: “Ah pronto. Estou esclarecido. Não pensaram no assunto..."
Na conclusão do Conversas Cruzadas, Álvaro Santos Almeida destaca os aspectos políticos da polémica. Afinal, o episódio TSU demonstra que a estabilidade política dos últimos 14 meses pode ser bem mais frágil do que o PS possa tentar transmitir. “Acho que esta questão é decisiva quanto à base política de sustentação do governo confrontar-se com as suas próprias contradições”, diz.
“Se nós - e também me refiro a este espaço de comentário - colocámos muitas dúvidas quando este governo foi formado foi exactamente a antecipar situações e cenários como este da TSU. Porque prevíamos cenários em que o PS e os parceiros à sua esquerda não estivessem de acordo e não houvesse estabilidade na plataforma que assegura maioria ao governo do PS. Portanto, é natural que, apesar de terem passado 2016 a disfarçar essas divergências, agora quando em 2017 se acabou a troca de favores mútuos comecem a aparecer estas insuficiências”, afirma Álvaro Santos Almeida.
“São falhas a demonstrar que esta é uma solução governativa que terá de tudo... menos estabilidade.”