A hotelaria não é um sector suficientemente atrativo para fixar os alunos das escolas de turismo em Portugal. Há falta de mão de obra mas sobretudo qualificada e que tem que ser bem remunerada, não mão de obra barata. Admitindo que nem todos os responsáveis hoteleiros estão preparados para receber estes alunos, frisou que é preciso dignificar a carreira. Em entrevista à RR, Raul Ribeiro Ferreira criticou também a forma como estão a ser criadas taxas turísticas em muitas cidades.
Qual é o maior desafio que os diretores de hotel enfrentam nesta altura?
O grande desafio no médio e até curto prazo, prende-se com a falta de mão de obra, sobretudo qualificada. Não há profissionais disponíveis.
Mas há cada vez mais estudantes nas escolas de turismo.
Apesar do crescimento, temos muita dificuldade em fixá-los. Vão para fora fazer ERASMUS ou estágios internacionais e ficam por lá. Isto é um pau de dois bicos: por um lado, para a qualidade da formação a experiência de vida noutros países e a aprendizagem das línguas é importante. Mas depois vem a parte negativa que é, ficarem lá: os ordenados são mais altos, as condições são mais aliciantes, as empresas têm maior dimensão e há possibilidade de progredir mais rapidamente na carreira. Os que voltam, por vezes, passado pouco tempo saiem do mercado porque vêm as suas expectativas defraudadas: trabalham mais horas, toda a gente gosta de ser chefe de cozinha mas as facas cortam e as frigideiras queimam. Na direção é a mesma coisa: quem faz um curso de gestão hoteleira não pode esperar ser diretor de hotel no dia seguinte; têm que ser rececionistas ou empegados de mesa, primeiro. O caminho faz-se caminhando e em muitos casos as pessoas não estão preparadas
E os hotéis estão preparados para receber estes jovens qualificados? Na abertura do Congresso deixou o aviso, e vou citar, “não se pode ver os alunos como mão de obra barata mas sim mão de obra qualificada que tem que ser devidamente remunerada. Se os diretores não estiverem preparados, estaremos a estragar uma formação que outros, depois, vão aproveitar no estrangeiro”.
Não estão preparados, em geral. Ainda há muitos sectores m que a gestão do hotel é muito tradicional. Não se pode ver um aluno de licenciatura ou mestrado da mesma maneira que um com formação profissional. Um mestrando tem seis meses de estágio com uma qualificação e conhecimento que o hotel podia aproveitar para implementar novos serviços e procedimentos. Quando aceitamos um estagiário temos que saber o que o vamos pôr a fazer; não é para substituir mão de obra paga por mão de obra gratuita só porque está ali disponível quando não se consegue contratar pessoas. Isso é mau para o hotel e para o estagiário porque vai sair com uma ideia errada do mercado de trabalho; podemos perder um ativo.
Portanto, não estamos só a falar de ordenados baixos
Não, eu tenho chamado a atenção que os salários não são nada de especial na hotelaria. Mas é sobretudo o sector que não é atrativo. Com a desregulamentação das profissões e o fim das carreiras profissionais tirou-se alguma dignidade ao sector.
Esse é um dos seus “cavalos de batalha”…
As confederações patronais dizem, com alguma razão, que existem carreiras e ainda a semana passada assinaram um acordo coletivo. Diz lá cozinheiro de 1ª ou d 2ª, rececionista, diretor de hotel tem que receber “x”. O problema é: quem deve ser diretor de hotel? Quem desempenha a função independentemente de saber ou quem tem as competências? O mesmo para o rececionista, cozinheiro ou outros. Não é claro, para quem trabalha, qual vai ser o percurso da sua carreira. Antes as pessoas tiravam um curso na escola de hotelaria e subiam, por exemplo a empregado de mesa de 2ª e depois faziam outro e subiam a 1ª. Agora é aquilo que a entidade patronal entende que seja.
Mas aqui no Congresso da ADHP a Secretária de Estado do Turismo prometeu alterações para breve.
A Secretária de Estado anunciou que ia sair em breve a portaria sobre a classificação dos empreendimentos turísticos, em um dos critérios é a qualificação dos recursos humanos. Houve um trabalho feito pelas associações (incluindo ADHP) com a SET. Acho que pode ser um primeiro passo, vamos ver quando sair a portaria.
Taxas turísticas servem para controlar fluxos, não para encher cofres das câmaras
Na sua intervenção na abertura do congresso criticou a multiplicação das taxas turísticas. É contra?
Independentemente de concordar ou não, a forma como estão a ser criadas é errada. Quando se fala numa taxa para o Algarve, é preciso ver que Monchique não é Albufeira ou Quarteira; Vila Real de Santo António não é a mesma coisa que Faro. Lisboa não é igual a Cascais.
A taxa serve para fazer o controle de algum fluxo turístico. Ora quando o movimento está longe de precisar de ser controlado, quando temos 40% das noites vazias, parece-me descabido onerar as estadias. Não me parece que na maior parte das cidades em Portugal que já têm ou anunciaram a criação da taxa turística seja preciso controlar o fluxo.
Acho que se devia pensar globalmente. Se há necessidade de uma taxa turística, que se pense nela de uma forma única: saber quais as cidades onde tem razão de ser e o que se vai fazer com esse dinheiro. O que me faz confusão é as taxa nascem sem haver razão, “um bocadinho a gosto”, normalmente quando as câmaras precisam de dinheiro.
Turismo acessível e turismo médico: dois segmentos com futuro em Portugal
O congresso debateu temas que não são habituais, nomeadamente a acessibilidade e o turismo médico. É um desafio aos associados?
Os congressos devem dar ferramentas aos diretores para fazerem o seu trabalho cada vez melhor. Todos os anos tentamos trazer novos mercados e novas tendências.
O turismo médico tem cada vez maior presença em Portugal. O Algarve tem uma parte muito interessante, nomeadamente dentário. E pode alargar-se a outras zonas do país. Além das unidades de saúde há qualidade de vida e as pessoas podem concluir os tratamentos no hotel. E como foi referido, são pessoas com poder de compra bastante alto.
Com as acessibilidades, é claro que há pequenas coisas que todos nós podemos mudar dentro dos hotéis e sem gastar muito dinheiro.
Os responsáveis estão suficientemente abertos para fazer as alterações necessárias e receber os turistas com necessidades acrescidas?
Estão cada vez mais sensibilizados. Ao contrário do que dizem muitas vezes, a maior parte dos nossos turistas são seniores e as coisas têm que ser feitas com equilíbrio.
Mas apenas 5% dos projetos concorrentes ao programa all4all para adaptar os edifícios às necessidades especiais vieram do sector da hotelaria. Porquê?
Acho que tem sobretudo a ver com o desconhecimento e alguma dificuldade nas estruturas. Qualquer obra estrutural é sempre muito complicada. Mesmo com apoios públicos nacionais ou europeus, os custos são muito elevados