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Quinta-feira, 5 de Setembro de 2019. A Lusoceania, estado independente, prepara-se para ir às urnas dentro de quatro dias. A votos vão o Partido Alternativa Renovadora (PAR), na oposição, e o Partido da Continuidade Democrática (PCD).
A Lusoceania não existe, nem sequer o PAR ou o PCD, mas no n.º 69 da Rua da Junqueira, sede do Gabinete Nacional de Cibersegurança, o cenário fictício é levado muito a sério. É tudo parte da segunda edição do Exercício Nacional de Cibersegurança, um exercício que quer pôr à prova a capacidade de resposta de Portugal em caso de ciberataque num período de eleições.
Quatro dias são espremidos em dois, e o país é condensado para caber todo nas três salas dedicadas ao evento. Estão lá a Comissão Nacional de Eleições, a Procuradoria-Geral da República, a EDP e REN, Microsoft, Polícia Judiciária, ERC, Lusa e outras entidades. No total, 22 instituições responsáveis pelos sistemas vitais do país e da democracia portuguesa.
Na cabeça de todos os presentes só há uma certeza: na Lusoceania, tudo o que pode correr mal vai correr mal. “O objectivo é que corra mal. Se fizéssemos um exercício em que toda a gente fizesse o que tem de fazer não aprenderíamos”, explica Lino Santos, coordenador do Centro Nacional de Cibersegurança.
Às 11h00, hora em que o país real foi autorizado a saber notícias de Lusoceania, os primeiros problemas começavam a surgir. Um instituto de sondagens dá a vitória ao PCD, partido no poder, mas, para surpresa dos seus autores, os dois jornais nacionais, o “Único” e o “Agenda da Manhã” dão a vitória ao partido na oposição, o PAR.
A Renascença não é órgão de comunicação na Lusoceania, mas teve acesso privilegiado à realidade alternativa condensada nesta sala da Rua da Junqueira. Tentamos apurar o que se passava juntos dos jogadores. A sondagem tinha sido comunicada corretamente à ERC, entidade a quem as empresas de sondagens estão obrigadas a comunicar as sondagens antes de as lançarem, mas a informação chegou adulterada aos dois jornais do país.
É preciso investigar. Às 18h00 de quinta-feira, hora de Lusoceania, o jornal “Único” descobre que a PJ está a investigar o caso. Todo o cenário é um exercício, mas nem assim a Procuradoria-Geral da República(PGR) leva a sua investigação menos a sério. Nem a sua relação com os jornalistas. “Isso está em segredo de justiça”, diz à Renascença Carlos Pinho, da PGR.
“A atividade investigatória está a assumir os seus trâmites normais e habituais. Mas a um ritmo que é proporcional também ao tempo de duração do jogo” explica o representante da PGR no jogo.
Ao certo, é agora sabido que a sondagem foi publicada por um agente estranho no site da ERC. E que foi daí que os jornalistas retiraram os resultados errados. A ERC terá por isso sido alvo de um ataque informático por alguém que conhece o sistema. Um cenário hipotético, mas perfeitamente possível.
Campanhas de desinformação, caixas de e-mail violadas e comunicações em baixo. Lusoceania está a ser atacada?
É agora praticamente impossível estar a par de tudo o que está a acontecer neste país fictício. A sondagem falsa foi só o início. No Facecook e no Twicker - não, não é erro, na Lusoceania estas são as duas principais redes sociais - já há campanhas de desinformação detectadas pelas autoridades. Dentro das Forças Armadas, fala-se de uma campanha de desinformação enviada por e-mail. No Norte, há falhas nas telecomunicações e, no Alentejo, é a energia eléctrica que falha. Na população da Lusoceania as dúvidas certamente que começam a pairar. Estará o país a ser atacado?
Estamos a apenas dois dias do sufrágio e aparentemente alguém quer que o Partido Partido da Continuidade Democrática não continue no governo. À semelhança do que aconteceu com o Partido Democrata nos EUA, ou como partido de Emmanuel Macron em França, a caixa de e-mail de um dos elementos foi comprometida.
“Foi-nos solicitada uma intervenção no sentido de avaliar uma situação específica de comprometimento de caixa de correio electrónico de um dos partidos que tinha sido utilizada para o envio de mensagens que não eram reconhecidas pelo seu autor”, explica André Azevedo, da Microsoft.
Na sala ouve-se o burburinho das conversas entre os jogadores. Ninguém leva o jogo a “brincar”. Testa-se a capacidade de resposta das instituições às situações de emergência e, por isso, ninguém quer falhar. À medida que o dia avança, a tensão vai aumentado. E isso sente-se no ar, mas também nas expressões de quem fita os ecrãs dos computadores com um semblante preocupado.
No balanço do primeiro dia estima-se que as entidades tenham trocado mais de 400 mensagens entre, tendo sido produzidos cerca de 100 relatórios de situação. Quando, às 17h00, o segundo dia em Lusoceania terminou - colocando em suspenso toda a ansiedade do momento - começam a ouvir-se as dúvidas de quem pergunta ao colega de mesa se deveria ter agido de outra forma.
Não sabemos, ainda não é tempo de balanço. Todas as comunicações feitas no âmbito do jogo foram registadas pelo CNCS para depois apurar as falhas e fazer sugestões. Quinta-feira é dia de reflexão e o dia da votação. E os jogadores sabem que o que pode correr mal vai correr mal. Só ainda não sabem o quê.