O presidente do Sindicato dos Guarda Prisionais diz à Renascença que em nada fica surpreendido pelo surto de Covid-19 no Estabelecimento Prisional de Tires.
O número de reclusos, familiares e funcionários infetados já chegou aos 158, segundo dados atualizados na segunda-feira.
Jorge Alves denuncia que os reclusos não são obrigados a usar máscara, não há separação entre jovens e idosos nas cadeias e que alguns estabelecimentos, como o de Ponta Delgada, têm camaratas com 30 reclusos cada e sem distanciamento.
O caso de Tires demonstra, por isso, o falhanço nas medidas anti-Covid em meio prisional.
Ficou surpreendido com este surto em Tires?
Sinceramente não nos surpreende a nós, muito menos às guardas de Tires, porque há algum tempo que vínhamos a alertar para o incumprimento de normas destinadas ao combate à Covid-19 que não estavam a ser cumpridas em termos da separação das pessoas e do tratamento das pessoas que vinham do exterior, e portanto isto realmente vem demonstrar essa nossa preocupação, mas numa dimensão que ninguém calcularia que tomaria, ultrapassando as 100 pessoas infetadas.
Que tipo de precauções não são tomadas em meio prisional?
Nomeadamente a separação das pessoas. Nos estabelecimentos prisionais os reclusos continuam a jogar à bola, continuam a jogar às cartas uns com os outros, continuam a estar todos juntos uns dos outros. Mesmo aqueles que em muitos estabelecimentos prisionais têm o período de quarentena para cumprir, porque vêm do exterior com medidas de privação da liberdade, ou porque regressam de saídas jurisdicionais, acabam por ter contacto com outros reclusos nos recreios, porque as cadeias não estão preparadas para separar efetivamente as pessoas.
É também o caso dos idosos, das pessoas mais fragilizadas, que acabam por partilhar o refeitório com os outros reclusos e não têm condições para estar efetivamente 24 sobre 24 horas separados uns dos outros e dos que podem ser potenciais contaminadores.
Como estão as prisões em relação ao uso da máscara?
O uso obrigatório foi aplicado aos trabalhadores. E mesmo assim o diretor-geral viu-se obrigado a reforçar o lembrete do uso obrigatório porque havia muitas pessoas nos gabinetes que não estavam a usar as máscaras durante o trabalho. Tanto mais que depois o diretor-geral tomou outra posição de determinar que os reclusos que saíssem da zona prisional para qualquer gabinete ou situação de atendimento tinham de usar máscara, porque na zona prisional os reclusos não usam máscara nem cumprem distanciamento nenhum de ninguém.
Só são obrigados a usar máscara – e não é em todos os lados – os reclusos que tiverem de sair da zona prisional para ir a algum gabinete ou a algum serviço.
Percebe essa medida?
Não percebemos e cremos que os próprios reclusos não percebem. Porque mesmo que o pessoal use máscara, há sempre algum recluso que por alguma situação pode ter estado em contacto com alguém e acabar por infetar os outros. E viu-se isto em Tires.
Entendemos que não foram cumpridas as normas, nomeadamente de isolamento de pessoas que iam ao exterior e voltavam, no caso de uma reclusa doente oncológica, que esteve dois meses internada e regressou ao estabelecimento prisional e esteve na zona prisional junto com as outras reclusas, que foi a primeira a quem foi detetado a Covid-19 quando foi transferida para o hospital prisional e depois as outras reclusas, entre si, foram-se infetando umas às outras, chegando à proporção de quase 150 pessoas infetadas no mesmo local. Isso demonstra que não faz sentido nenhum que não sejam todos a usar a máscara.
A sobrelotação das cadeias também joga a favor de espalhar o vírus?
Claro que sim! E isto o Governo nunca resolveu.
Nós estamos a ver que o Governo está preocupado em construir o Estabelecimento Prisional do Montijo, mas ainda não está preocupado em cumprir a lei. O que a lei diz é que a prisão é individual, o cumprimento da pena é individual, e só em situações extraordinárias, nomeadamente de familiares ou por questões de saúde, é que o recluso pode partilhar a cela com outra pessoa. Fora isso, devia ser individual.
Nós temos cadeias, como de Ponta Delgada que têm camaratas para mais de 30 reclusos. São mais de 30 pessoas no mesmo espaço, a partilhar as mesmas instalações sanitárias, a dormir ao lado uns dos outros. E quem diz Ponta Delgada diz Lisboa, diz o Porto, com camaratas com uma sobrelotação muito maior do que a sua capacidade. Claro que isso não contribui.
E ao contrário do que diz o Governo a libertação não ajudou quase nada, porque não houve uma redistribuição dos reclusos. Saíram uns daqui, outros dali, e acabaram por não influenciar significativamente na redução, para haver efetivamente uma separação dos reclusos uns dos outros.