Estamos a viver uma asfixia em dimensões centrais da nossa vida coletiva como a saúde, a educação e a habitação. As desigualdades sociais agravam-se e há cada vez mais manifestações de descontentamento.
Ao mesmo tempo, as negociações com os parceiros sociais vão sendo marcadas pela dificuldade de diálogo e pela ausência de soluções que considerem todas as partes interessadas e afetadas.
Perante este cenário, e ainda que as medidas orçamentais apresentadas no Orçamento do Estado 2024 evidenciem a preocupação em equilibrar a necessária diminuição da dívida com o reforço dos rendimentos líquidos das famílias, fica a dúvida inquietante se essas medidas não representam apenas ajustes de reação e soluções de curto prazo.
Nas linhas gerais conhecidas não fica evidente de que forma é que estas medidas vão ao encontro de uma estratégia concreta, uma vez que não se explicita o impacto positivo que se espera na vida das pessoas nem que país ambicionamos após a execução deste orçamento.
Para a Economia de Francisco, uma das críticas à economia atual é o seu ênfase excessivo no aumento do PIB ou na redução da dívida, relegando para segundo plano indicadores vitais para promover, acompanhar e avaliar a efetiva qualidade de vida das pessoas, o seu bem-estar e a sua felicidade.
É certo que a resolução dos desafios mais urgentes da realidade portuguesa pede compromisso financeiro do governo, dimensão que este orçamento parece tentar oferecer, mas isso não basta. Tal como não basta pensar que o aumento do consumo responde aos problemas da economia ou é o indicador que avalia o bem-estar das pessoas. Para que o esforço financeiro se traduza em impacto positivo efetivo, é preciso considerar outras variáveis, mecanismos e estratégias, sem as quais a transformação da realidade não acontece.
Peguemos no exemplo concreto da saúde. Apesar do aumento do seu peso no orçamento de estado nos últimos anos, os problemas persistem, com a agravante de esta ter sido a área mais pressionada durante a pandemia de Covid-19.
O governo anuncia neste orçamento um novo aumento de 10% para esta área, mas é preciso que esse apoio esteja integrado numa estratégia que não está clara nem é partilhada pelo setor. Quantos profissionais de saúde serão contratados para que se acabe com a realidade desumana que se vive? Como serão equilibrados os horários de trabalho? Que parcerias são necessárias para soluções de curto e longo prazo?
Como estamos a preparar o nosso sistema de saúde para uma população cada vez mais envelhecida e como garantimos que se continua a nascer em segurança em Portugal?
Outro exemplo é o aumento do Rendimento Social de Inserção que está previsto. Esta medida, em si mesma, não resolve as desigualdades sociais. De que forma estamos a trabalhar para que as pessoas saiam efetivamente de uma situação de pobreza? Injetar dinheiro sem uma estratégia clara e concertada não vai resolver os problemas que enfrentamos.
Como lembra o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si, tudo está interligado e a realidade é complexa. Por isso mesmo, precisamos que instrumentos como o orçamento de estado estejam alicerçados na análise e na reflexão sobre as causas raiz dos problemas atuais, que as estratégias e propostas sejam desenhadas a partir da escuta e do diálogo multidisciplinar e que estas sejam comunicadas de forma clara e integrada.
Um país onde as pessoas possam ser felizes e alcançar o seu desenvolvimento integral pede uma economia mais humana, inclusiva e sustentável. E, para isso, precisamos de cultivar a esperança, esse capital essencial que permite que esperemos, desejemos e trabalhemos por um futuro que cremos que pode ser melhor. Mas perante um orçamento de estado que nos deixa com muitas dúvidas em relação a esse futuro melhor, esperamos que o Governo leve a esperança a sério quando passar o orçamento do papel para a ação.