ONG acusa Bolsonaro de "fazer pouco" para atenuar efeitos da covid-19 nos indígenas
19-07-2020 - 16:27

Esta semana foram confirmadas primeiras mortes causadas pela covid-19 numa vasta região do vale do Javari, na Amazónia, que é apontada como a casa da maior concentração de indígenas isolados do mundo.

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Um responsável da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), em Manaus, afirma que o governo do estado do Amazonas "tem contribuído muito" para atenuar os efeitos da covid-19 nas populações indígenas e ribeirinhas da floresta, mas "o Governo brasileiro pouco".

"O Governo do estado do Amazonas faz parte da Aliança que a FAS está liderando e tem contribuído muito para atenuar os efeitos da pandemia e apoiar as populações indígenas e ribeirinhas dentro do que pode, face aos seus recursos financeiros", disse, em entrevista à Lusa por telefone, a partir de Manaus, o coordenador de empreendedorismo da organização, Wildney Mourão.

Já o Governo brasileiro “pouco tem apoiado" e "está mais preocupado com o retorno da economia”, afirmou.

O Brasil confirmou, na última sexta-feira, as primeiras mortes causadas pela covid-19 numa vasta região remota da Amazónia que é apontada como a casa da maior concentração de indígenas isolados do mundo, o vale do Javari, localizado no estado Amazonas.

Indígenas e organizações não-governamentais tem denunciado o avanço da doença nesta área remota, temendo que o novo coronavírus se espalhe rapidamente entre povos isolados, com menor resistência imunológica e acesso limitado a serviços de saúde na floresta amazónica.

A FAS lidera a "Aliança Covid Amazonas dos Povos Indígenas e Populações Tradicionais e Organizações Parceiras para o Enfrentamento do Coronavírus", que está a "disseminar e estimular a adoção de boas práticas para reduzir os riscos de contágio, oferecendo produtos básicos para 19 mil famílias (rurais e urbanas) e estabelecendo condições mínimas de atendimento remoto e transporte de pacientes graves", como se lê no site da própria fundação.

Esta organização não-governamental (ONG), que atua no apoio aos povos indígenas e populações ribeirinhos da Amazónia, ganhou o Prémio Calouste Gulbenkian 2016, num ano em que o júri foi presidido pelo antigo Presidente da República Jorge Sampaio.

O júri destacou, na altura, o papel da organização para “reduzir o desmatamento, preservar a biodiversidade, contribuindo para melhorar a qualidade de vida das populações tradicionais” da Amazónia.

Agora, perante a pandemia, a FAS tem, segundo o coordenador do empreendedorismo e negócios sustentáveis da ONG, cerca de 30% da sua equipa dedicada ao trabalho da Aliança.

A Aliança reúne mais de 70 parceiros, entre empresas e organizações, sejam do governo, autarquias, ONG, instituições de pesquisa, organismos multilaterais ou organizações comunitárias de base, onde as populações tradicionais vivem.

Um dos seus focos estratégicos "é o apoio às populações tradicionais na área da saúde, incluindo com testes à covid-19, e com ajuda humanitária, fornecimento de alimentação", adiantou. O financiamento é obtido através dos parceiros, mas também de uma plataforma de 'crowfunding' (financiamento coletivo).

“No Amazonas, a gente virou o epicentro da pandemia. O estado passou a ser um dos principais locais de contágio", sublinhou o coordenador da FAS, que defende que há pelo menos quatro fatores que contribuíram para isso.

"Manaus é um fluxo de voos para vários lugares do mundo", nomeadamente para os Estados Unidos da América, e por isso com muito passageiros estrangeiros a circularem no aeroporto, “um dos fatores que se imagina tenha sido um vetor de contágio", disse Wildney Mourão.

O outro é "o pouco acesso ao saneamento básico" das populações tradicionais, que contribuiu para que o vírus se propagasse até locais remotos da floresta da Amazónia, onde não é simples fazer chegar cuidados de saúde e ajuda.

Um terceiro fator a contribuir para o crescimento dos casos positivos no estado do Amazonas foi a falta de cuidados de saúde, considerou. "No interior do estado do Amazonas a gente não tem UTI [unidades de tratamentos intensivos]”, afirmou.

"São mais de 20 pequenas cidades que têm pouca infraestrutura para atendimento de saúde especializado. Tem atendimentos de saúde básica, postos de saúde, mas do nível especializado que uma pandemia requer não têm. Não há infraestrutura de atendimento para situações de média complexidade", frisou.

A adicionar a isto, “o Governo brasileiro não assumiu o papel de que a pandemia era prioritária (…) se manifestou muito mais preocupado com a questão da economia do que com a questão das vidas humanas", comentou.

Além disso, o Governo, liderado pelo Presidente, Jair Bolsonaro, "pouco priorizou as populações tradicionais, os indígenas e as populações ribeirinhas". Por isso, o trabalho que "as ONG fazem tem muito mais relevância”, defendeu o coordenador da FAS.

E “todo um discurso de desmerecer as ONG no Brasil" por parte do executivo brasileiro "cai por terra", destacou, salientando: "O trabalho que as ONG têm feito no apoio às populações tradicionais indígenas se fez necessário neste momento".

A pandemia de covid-19 já provocou mais de 600 mil mortos e infetou mais de 14,2 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

O Brasil é o país lusófono mais afetado pela pandemia e um dos mais atingidos no mundo, ao contabilizar o segundo número de infetados e de mortos (mais de 2 milhões de casos e 78.772 óbitos), depois dos Estados Unidos.