A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, para os próximos quatro anos, deixa de fora os mais altos cargos da Administração Pública, e nomeadamente o Governo, os partidos políticos e as autarquias. As críticas ao documento que está em consulta pública são feitas pelo Presidente da Associação Sindical dos Juízes e pelo Bastonário da Ordem dos Advogados, ao programa da Renascença “Em Nome da Lei”.
O juiz desembargador Manuel Soares defende que “nenhuma estratégia séria de combate à corrupção pode passar ao lado das administrações das autarquias, sobre as quais são a maior parte dos processos que correm nos tribunais, nem sobre o financiamento e as campanhas dos partidos políticos”.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes considera a questão do financiamento dos partidos “essencialíssima”, admitindo que “todos desconfiamos que são fonte de possível corrupção e tráfico de influências, para que as pessoas que são financiadas mais tarde, quando exercerem cargos públicos, favoreçam as empresas e as entidades que antes lhes pagaram”.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes sublinha que a estratégia de prevenção da corrupção apresentado pela ministra da Justiça deixa de fora os decisores políticos. Manuel Soares afirma que “a estratégia é muito virada para as administrações”.
“Mas nós temos processos em tribunal que não são no âmbito das administrações, mas no topo dos decisores políticos, dos ministros e dos primeiros-ministros. Não vale a pena pensarmos em combater a corrupção ao nível intermédio, se deixarmos de fora os mais corruptos, porque não chegamos ao topo”, defendeu.
Também o Bastonário da Ordem dos Advogados considera “essencial estabelecer a transparência nas contas dos partidos para combater a corrupção”. O Governo tinha prometido no grupo de trabalho que iria haver novidades. Mas na estratégia tornada pública” há zero sobre a matéria”. Menezes Leitão considera que “pelo contrário, até se prevê um passo atrás, uma certa atenuação no que a atual legislação já prevê em matéria de combate à corrupção”.
O Bastonário exemplifica: “Quanto à responsabilidade dos titulares de altos cargos políticos e altos cargos públicos, o documento propõe que fiquem de fora da estratégia nacional de combate à corrupção, ao contrário do que hoje acontece, com base num argumento constitucional, que não tem qualquer cabimento”.
Da estratégia que agora está em discussão pública consta também uma alteração legislativa que visa acabar com os megaprocessos, por causa da sua morosidade e do impacto negativo que isso tem na imagem dos tribunais. O documento elaborado por um grupo de trabalho designado pela ministra Francisca Van Dunem, prevê que se estabeleça expressamente na lei a possibilidade de os processos se separarem, quando esteja em causa o cumprimento dos prazos a de duração máxima do inquérito ou da fase de instrução.
O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público duvida, no entanto do objetivo. António Ventinhas adverte que “os megaprocessos vão continuar a existir porque há casos em que é impossível fazer a separação”, dando o exemplo das investigações aos grandes grupos económicos com grandes ramificações, com ligações internacionais “.
O magistrado diz que “os megaprocessos vão continuar a existir e defende que têm as costas largas”. António Ventinhas defende que são “o alibi para muita coisa, mas a verdade é que os processos se arrastam não porque têm muitos arguidos, mas porque faltam meios de investigação”. Cita o caso de dois megaprocessos que estiveram parados mais de um ano. Um relativo a um banco, que a Renascença sabe ser o da Caixa Geral de Depósitos, cuja “investigação esteve suspensa durante quase ano e meio porque não havia peritos. E um outro (Operação Lex)” em que, “o Ministério Público esteve um ano à espera de software, para poder aceder ao conteúdo do telemóvel de um dos arguidos”(o ex-juiz Rui Rangel).