O decreto de lei da gestação de substituição é inaceitável face ao direito português e pode até ser inconstitucional, defende Rita Lobo Xavier.
A Assembleia da República aprovou a gestação de substituição, conhecida informalmente como “barrigas de aluguer”, com os votos favoráveis de 24 deputados do PSD, incluindo Pedro Passos Coelho. Foi também aprovado o alargamento a qualquer mulher, independentemente do seu estado civil ou orientação sexual, do acesso às técnicas de procriação medicamente assistida.
A professora de Direito, e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, não concorda com o alargamento a todas as mulheres do acesso à procriação medicamente assistida, mas é sobretudo crítica da possibilidade de uma mulher gestante poder ceder o seu ventre para que outra, incapaz de engravidar, possa gerar nele uma criança.
“Podem escrever as vezes que quiserem num decreto, e assinar por baixo, e até votar por maioria na Assembleia da República e até podem pôr numa lei que o contrato é válido. Mas isto é completamente inaceitável, uma mulher estar-se a comprometer, antecipadamente, a renunciar à maternidade. Quando eu ensino isto aos meus alunos digo que isto não é a sub-rogação da maternidade, é a renúncia antecipada à maternidade.”
O CDS foi o único partido que votou contra as duas iniciativas legislativas. A deputada Teresa Caeiro argumenta que o CDS não é insensível ao drama das mulheres que não têm útero, mas que deve pesar mais o superior interesse da criança. “Não somos de todo insensíveis ao drama das mulheres que não podem gerar a sua criança, mas entendemos que entre os dois valores em questão, o superior interesse da criança e o desejo da parentalidade, deve prevalecer o primeiro, porque é a parte mais desprotegida”.
A deputada centrista diz que o decreto de lei de gestação de substituição é um potencial foco de processos judiciais e foi determinado apenas em nome do livre arbítrio e do direito à procriação. “Toda a questão está focada no livre arbítrio, no direito à procriação, independentemente de saber o que é que pode acontecer a uma criança que vai ser gerada sob a tutela do Estado, ou seja, sancionada por uma legislação aprovada pelos representantes da população, sem querer saber o que lhe pode acontecer. Esta lei foi aprovada sem qualquer tipo de regulamentação ou esmiuçamento do que pode acontecer.”
Mas o presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida contesta as criticas. Eurico Reis defende que a gravidez de substituição é um avanço civilizacional e não se mostra preocupado com o facto de o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida considerar que não estão salvaguardados os interesses da criança.
“Está ínsito na ideia de criarmos núcleos familiares que querem crianças, que vão amar as crianças, que vão protege-las e que não vão, como muitos casais heterossexuais violá-los, matá-los, mutilá-los, ofendê-los e impedi-los de ter uma saúde mental e física que lhes permita terem uma integração social útil”, afirma.
O projecto de lei das “barrigas de aluguer” partiu do Bloco de Esquerda, que também considera que está assegurado o superior interesse da criança, na medida em que lhe é proporcionada uma família que a vai amar. “Não se consegue garantir isso por lei. Consegue-se garantir o superior interesse da criança, quando se consegue garantir que a criança que venha a nascer com uma técnica de PMA ou de gestação de substituição, seja entregue a uma família que a queira e que a deseja. É tão simples quanto isso”, diz Moisés Ferreira.
O deputado bloquista diz que o decreto-lei terá agora de ser regulamentado, o que será feito pelo Governo. Poderá abrir-se a porta à possibilidade de a mulher gestante poder voltar atrás na decisão de entregar a criança que gerou, após o parto. Moisés Ferreira não assume uma posição sobre esse aspecto, remetendo para a regulamentação.
Este assunto foi debatido no programa Em Nome da Lei, da Renascença. Moderado pela jornalista Marina Pimentel, o programa é emitido aos sábados depois do noticiário das 12h.