Grupos pró-independência continuaram esta quarta-feira a marchar em várias partes da Catalunha contra a condenação de nove líderes separatistas, apesar do aviso renovado do Governo central espanhol de que irá intervir na região autónoma para garantir a segurança.
A Renascença falou com dois portugueses que residem na cidade – mais concretamente no bairro da Gràcia, a uns 20 minutos do centro – e ouviu preocupações que têm mais a ver com a economia do que com a violência nas ruas, que será mesmo rejeitada pela maioria dos independentistas.
“Entre os meus amigos estrangeiros há muita preocupação, que já na altura do referendo da independência [a 1 de outubro de 2017] havia. Não sabíamos qual seria a nossa situação e obviamente estamos preocupados com o impacto que a questão possa ter na economia e mesmo na imagem global e internacional da cidade”, confessa Anabela Couto, de 36 anos, que vive na Catalunha há 11.
Esta manhã, o Governo em Madrid anunciou que irá agir de forma "firme mas proporcional" para manter a ordem, depois de ontem 30 pessoas terem sido detidas na sequência de confrontos com a polícia em Barcelona, com grupos de manifestantes a incendiarem caixotes de lixo e a atirarem pedras e garrafas à polícia.
“Uma parte violenta dos protestos que depois surgiram na televisão não me afetou a mim diretamente mas afetou amigos meus, porque trabalho num museu, na Pedrera [nome pelo qual é conhecida a Casa Mila, de Antoni Gaudí], que fica no centro, no Passeig de Gràcia. Tiveram de fechar a porta porque havia cargas policiais e confusão na rua”, relata Miguel Carvalho, de 40 anos, que mora em Barcelona há 15.
O português fala mesmo numa questão que é vista de fora como "tribal" ou "familiar". "Depende de se sentir o independentismo como uma prioridade ou não. Para alguns é algo legítimo, histórica e culturalmente, mas não sentem isso como uma prioridade, no momento. Isto tem de ser lidado de outra forma, não como uma questão de branco ou preto. Tem de haver uma negociação e quanto mais tempo a posição for de firmeza mais pessoas vão passar para o lado oposto, por se sentirem atacadas", argumenta.
Governos regional e central sob pressão
Os confrontos são um desafio tanto para o atual Governo regional catalão de Quim Torra, pró-independência, quanto para o Governo central de Pedro Sánchez.
"Sánchez enviou uma mensagem clara: ele não quer excluir nenhum cenário, está tudo planeado e, se necessário, ele irá agir de uma forma firme e proporcional", informou o gabinete do primeiro-ministro interino em comunicado, após uma reunião com os principais partidos para tentar alcançar um consenso quanto à situação na Catalunha.
O líder socialista, que vai novamente a votos a 10 de novembro após ter falhado a maioria absoluta nas últimas legislativas, está sob pressão dos partidos de direita para lidar com mão dura com a situação na região autónoma e ativar a Lei de Segurança Nacional, que lhe permite assumir o controlo das forças de segurança catalãs.
"O Governo deve aplicar a Lei de Segurança Nacional para que Quim Torra não esteja, em momento algum, no comando das forças da segurança", defendeu Pablo Casado, líder do Partido Popular (conservadores), após o encontro com Sánchez.
Miguel Carvalho, que é jornalista freelancer, tal como Anabela Couto, nota que o Governo catalão também não tem incluído a vasta população estrangeira da cidade na discussão do futuro da região.
“O Governo atual em nenhum momento se se dirigiu a pessoas que têm outra nacionalidade que não a espanhola. Nenhuma das pessoas com quem falei se sentiu abrangida pela convocatória do referendo. Foi simplesmente uma coisa privada do Governo conservador catalão”, sublinha.
Crise a piorar a cada dia
As manifestações na Catalunha começaram na segunda-feira, horas depois de o Supremo Tribunal espanhol ter ditado sentenças de entre nove e 13 anos de prisão efetiva para os nove líderes políticos que avançaram com a consulta à independência da região, no final de 2017, contrariando o ditame do mesmo tribunal, que declarou o referendo ilegal.
A onda independentista na Catalunha está há vários anos na base de uma grave crise política em Espanha, a quarta maior economia da União Europeia, e a reação de Madrid tem estado a ser seguida de perto por outros países europeus, como a Escócia, onde também existem movimentos separatistas.
Após o referendo falhado de 2017, mais de 4 mil empresas retiraram as suas sedes da Catalunha, incluindo os bancos catalães CaixaBank e Banco Sabadell.
O fator económico e algum cansaço fizeram o apoio à causa independentista diminuir, notam ambos os portugueses ouvidos pela Renascença. Anabela Couto sublinha mesmo que o assunto chegava a “ser evitado” por amigos catalães, mas o efeito das condenações aos governantes que levaram a cabo o referendo de 2017 pode reativar alguma da chama perdida.
“A prova da queda do apoio está no facto de o número de pessoas que vemos nas ruas ser inferior. Não tem tido a dimensão do dia do referendo e noto uma sensação de tristeza entre os catalães, sejam eles ou não independentistas. Ninguém gosta de ver esta situação e como a sociedade está dividida. Este foi sempre um movimento pacifista e é triste ver o que aconteceu ontem, com as fogueiras, distúrbios e confrontos com a polícia. Mesmo entre os independentistas eu diria que a grande maioria está contra este tipo de situações”, observa.
Para esta quarta-feira à noite, há novos protestos marcados para Barcelona e para Madrid, antes da greve geral convocada para sexta-feira. Face às tensões nas ruas, a Liga espanhola já pediu à Federação de Futebol do país que altere o local do jogo entre o Barcelona e o Real Madrid a 26 de outubro; a partida deveria acontecer em Camp Nou mas a Liga quer que tenha lugar em Madrid, por causa dos protestos.