A bastonária da Ordem dos Advogados (OA), Fernanda de Almeida Pinheiro, admite que faltar às diligencias poderá ser a fórmula de contestação da classe para fazer parar a nova lei das ordens profissionais.
"Se os advogados não comparecerem, por exemplo, em primeiros interrogatórios judiciais de individuos detidos, é evidente que isso terá consequências. A Justiça pode parar", diz a bastonária à Renascença.
Na origem deste descontentamento estão, sobretudo, alterações aos atos próprios dos advogados que, de acordo com a OA, brem a porta da advocacia a quem não tem formação na área.
Fernanda de Almeida Pinheiro diz não entender "o que este governo e em particular o Ministério da Justiça têm na cabeça".
Segundo a OA, a proposta do Ministério da Justiça permite que organismos públicos, nomeadamente municípios, juntas de freguesia, associações, organizações não-governamentais, funcionários públicos, empresas e não licenciados em direito possam prestar consulta jurídica sobre todas as matérias, sem qualquer supervisão por entidade externa.
"Vão dar aconselhamento jurídico ilegal às populações. A partir de agora, os cidadãos mais carenciados têm ao seu dispor serviços prestados por pessoas que não são regulamentadas nem supervisionadas por ninguém externo", protesta.
A bastonária afirma igualmente que também ficam em causa os contratos de promessa e compra e venda que vão passar a ser "feitos livremente pelas empresas imobiliárias e pelos cidadãos não advogados".
"Estamos a colocar o cidadão na boca do lobo. Um dos negócios mais feitos neste país são os contratos de promessa compra e venda. As agências imobiliárias sempre praticaram um crime de procuradoria ilícita, porque se atrevem a fazer estes contratos, que são oferecidos aos cidadãos deste país, como se fossem contratos técnicos. E não são. Se uma agencia imobiliária redige o contrato, não existe aqui um conflito de interesse?", questiona Fernanda de Almeida Pinheiro, não hesitando em dizer que será de uma gravidade sem precedente, do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias das pessoas.
"Se até aqui se falava numa justiça para pobre e outra para ricos, isto vem confirmar ainda mais essa situação. Ou seja, recorrem a advogados as pessoas com poder económico, porque as demais vão ter à sua disposição pessoas não licenciadas que não são advogados", aponta.
"Suspeito mesmo que com esta medida, até o sistema de acesso ao direito e aos tribunais vai deixar de ter a consulta juridica que passará a integrar os tais gabinetes organizados pelos municipios, pelas juntas de freguesia e por empresas de consultoria, sem técnicos especializados preparados para dar esse aconselhamento jurídico."
"Estamos a criar um sistema de segunda, disponivel para os do costiume - que por acaso até pagam a Justiça com os seus impostos - que não vão ter apoio jurídico. Isto è dramático", enfatiza.
Fernanda de Almeida Pinheiro acredita mesmo que mesmo com estes consultórios jurídicos em funcionamento, o cidadão terá de pagar uma segunda consulta juridica, "porque a primeira já foi paga com os seus impostos".
Falta de respeito
Para a bastonária, se houvesse respeito pela OA, não seria remetido um documento às onze da noite da véspera de um feriado nacional (8 Junho), com exigência de resposta até dia 13 de Junho, que é um feriado municipal.
Outra falta de respeito é a necessidade de supervisão para garantir a legalidade: "É fantástico, parece que estamos a falar de uma associação de malfeitores. É indigno. A Ordem faz na próxima semana 97 anos. Esta casa tem uma história. Esteve ao lado do estado de direito e dos cidadãos, levando a que muitos dos seus associados fossem presos politicos da PIDE para defender os seus clientes. E estas pessoas entenderam agora que os advogados não fazem falta. Querem responsabilizar as orden profissionais pelo estado calamitosos em que se encontra o país."
Fernanda de Almeida Pinheiro considera que a própria insituiçao que é a OA seja prejudicada se houver pessoas que não precisam de estar inscritas no organismo para poder praticar os actos que lhe estão a ser retirados do âmbito da advocacia, exemplificando com o facto de a esmagadora maioria das pessoas que presta trabalho na área de legalização de estrangeiros deixará de de estar obrigatoriamente inscrita: "Se forem cinco mil, por exemplo, vão continuar a prestar servico aos cidadãos, mas deixam de pagar quotas e caixa de previdência. Passarão a pagar segurança social, diminuindo as receitas da Ordem. O governo retira receita às ordens e aumenta-lhes a despesa."
Não se trata de corporativismo, assegura Fernanda de Almeida Pinheiro. "É obrigação estatutária da Ordem defender o estado de direito democrático e os direitos, liberdades e garantias das pessoas."
"Se o Governo acha que vai acabar com a Ordem, está muito enganado", remata.