Numa entrevista conjunta do Público e da Rádio Renascença, que vai esta quinta-feira para o ar às 13 horas, o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares admite que os tempos de espera para cirurgias e consultas nos hospitais no final de 2018 seja pior que os resultados já demonstrados pelo relatório da Entidade Reguladora da Saúde. Alexandre Lourenço diz que actual política financeira da saúde “está a levar a um desperdício grande no sector”.
Um relatório desta semana, da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), diz que os tempos de espera para
cirurgias programadas e para consultas nos hospitais agravaram-se nos primeiros
cinco meses do ano passado. Como é que explica isto?
Antes de mais, este é um relatório parcial que só representa cinco meses. Creio
que devemos aguardar com algum cuidado o relatório do acesso do final do ano de
2018, que será apresentado pelo Ministério da Saúde à Assembleia da República.
A expectativa é que os tempos se deteriorem, até porque existiram outros
efeitos para além destes cinco meses. Nomeadamente, a redução do horário de
trabalho das 40 para as 35 horas nos contratos individuais de trabalho e a
greve no final do ano que terá cancelado cerca de 7000, 8000 cirurgias.
Espera que os tempos ainda sejam mais atrasados do que este
relatório parcelar?
Exactamente. Pelo menos em relação a 2017, a expectativa é que os tempos se
deteriorem por todos estes efeitos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Há aqui um efeito também da redução dos tempos máximos de resposta
garantidos nas prioridades normais. O grupo de trabalho independente, criado
pelo Ministério da Saúde quando saiu o relatório do Tribunal de Contas sobre os
tempos de espera, fazia essa referência: que houve uma redução dos tempos que
foi administrativa, sem critérios clínicos. Partilha dessa opinião?
Esta redução é iminentemente administrativa e tem efeitos práticos na emissão
de vales-cirurgia, que vai permitir que a partir
do momento em que 75% do tempo é ultrapassado, os doentes possam recorrer ao
sector convencionado.
Que sabemos que muitos não são usados.
Muitos não são usados porque os doentes têm confiança nos seus médicos e querem
ser operados nessas instituições. A questão do acesso deve ter uma política
integrada, que não se coaduna com medidas pontuais. E isso passa
necessariamente por existir algum planeamento da gestão de serviços.
Nomeadamente num problema grave que actualmente existe no SNS, que é a
limitação do número de anestesiologistas. Além disso, este relatório da ERS também nos dá um ponto muito interessante, que é o
de os tempos de acesso a cirurgia serem mais problemáticos em hospitais
periféricos. O que é que quer dizer? Que na prática estamos a oferecer alguns
serviços em alguns hospitais mais periféricos que não têm capacidade de
resposta.
Esteve entre 2011 e Setembro de 2014 como vogal da Administração
Central do Sistema de Saúde — que é a entidade que gere os tempos e as listas
de espera. Há realmente limpeza, como falam os relatórios do grupo de trabalho
independente e do Tribunal de Contas?
Creio que aqui é uma questão mais de explicitação dos critérios que levam a
estas limpezas de listas, de uma regulação desta matéria e de uma governação
dos sistemas informação do que propriamente a existência de uma limpeza de
listas. Que nos pode levar a um descrédito do próprio modelo de gestão. É
importante explicitar que regras é que existem e que levam à limpeza das
listas, porque essas limpezas não têm efeitos sobre os doentes. Estamos a falar
muitas vezes de casos redundantes ou de problemas no sistema de informação que
não dão baixa dos doentes que tiveram cirurgia.
Como é que se recuperam os tempos de espera e a confiança?
É uma pergunta bastante difícil. Os tempos de espera só serão recuperados
quando as instituições tiverem autonomia para gerir as suas próprias
organizações. Isso necessita naturalmente de maior autonomia dos hospitais,
maior investimento no sector e uma melhor política de gestão recursos humanos.
Como está a recuperação das cirurgias adiadas devido às greves dos
enfermeiros?
Qualquer recuperação de listas e de doentes, que viram as suas cirurgias
adiadas, vai levar ao cancelamento de outras que podiam estar a ser realizadas.
Até porque as estruturas não têm flexibilidade para dar resposta a todo o
volume de doentes que temos no sistema.
A saúde tem-se tornado num tema chave na discussão política. Tem
esperança de que essa centralidade da saúde tenha efeitos positivos a curto
prazo?
Ultimamente não tem tido efeitos positivos. Demonstra um enorme ruído, que leva
a essa desconfiança dos portugueses em relação ao SNS e que os leva a optar por
outros caminhos. Esse ruído reduz-se claramente por maior investimento no
sector e, devo dizer, também por um novo modelo de governação do sector.
Houve uma injecção financeira no final do ano passado para pagamento
de dívidas em atraso. Nos primeiros três meses do ano houve uma redução e
aparentemente esta dívida está numa fase estagnada. Será possível manter estes
bons resultados?
As injecções de capital no final do ano são típicas e regulares. E decorrem de
uma gestão financeira e orçamental das instituições de saúde completamente
errada e que leva ao aumento do desperdício. Se tivéssemos orçamentos adequados
no início do ano, não veríamos este crescimento de despesa. Ela decorre de uma
prática de restrição financeira no início do ano. Isto leva a que o SNS esteja
a pagar mais caro os bens e serviços que compra do que seria normal. Isto é
totalmente errado e está a levar a um desperdício grande no sector.
O que diz é que as dívidas vão voltar a aumentar.
Como tem ciclicamente tem aumentado. E vamos voltar ao final do ano e ter mais
dívida a fornecedores e depois existe uma transferência adicional no final do
ano por parte do Ministério das Finanças. Esta é uma gestão orçamental
completamente errada.
Como justifica esses erros e esses atrasos? Há falta de confiança
nos administradores hospitalares? Ou há falta de dinheiro?
Falta de dinheiro não existe, porque o dinheiro acaba por aparecer sempre. O
que existe é uma desconfiança grande da equipa do Ministério das Finanças no
Ministério da Saúde. Nem a ministra da Saúde tem a capacidade para autorizar
contratações. Isto é totalmente absurdo.
É uma miragem este desejo do Ministério da Saúde de, até 2020,
eliminar os pagamentos em atraso?
Totalmente. Poderá ser feito, se existirem injecções de capitais que seriam
muito superiores ao que seria necessário se tivéssemos orçamentos de início
razoáveis e a responsabilização da gestão.
Fez recentemente críticas ao modelo da ADSE, dizendo que fomenta
distorções no SNS. O que defende para a ADSE?
A ADSE ao longo do tempo teve grandes alterações do ponto de vista do seu
financiamento, mas manteve os modelos de relacionamento com os prestadores
privados completamente inalterados e hoje possui modelos de relacionamento
perfeitamente anacrónicos. E que de uma forma genérica estão a promover o
volume de cuidados e não a qualidade de cuidados. Um exemplo claro é o caso das
taxas de cesarianas, em que são exageradamente elevadas contrariando as
recomendações clínicas e de qualidade e segurança para os doentes. Esta ideia
de promoção do volume também leva a um comportamento dos profissionais de
saúde, que vêem as suas remunerações aumentadas se produzirem mais quantidade
de cuidados.
E a sobrevivência dos privados acaba por estar sustentada pela ADSE.
A ADSE não vive sem o sector convencionado, nem ele vive sem a ADSE. É
importante chegar a um acordo. Acho que o ruído que foi criado não é útil à
ADSE e cria a desconfiança dos funcionários públicos em relação ao subsistema.
Não acha que houve aqui um funcionamento de cartel?
Essa é uma matéria que está a ser analisada pela Autoridade da Concorrência.
Aguardemos os resultados dessa averiguação.