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A Amnistia Internacional (AI), no seu mais recente relatório, dá conta de um agravamento da violência de género em Moçambique e em outros países da África Austral, devido à aplicação de medidas de confinamento para combater a Covid-19.
O relatório, intitulado “Tratadas como Peças de Mobília - A violência de género e a resposta à Covid-19 na África Austral", conclui que o confinamento “obrigou jovens e mulheres a experienciar a crueldade e violência de familiares abusivos, sem que tivessem a possibilidade de denunciar ou escapar ao perigo”.
A Amnistia lembra que em países como Moçambique, África do Sul, Madagáscar, Zâmbia e Zimbábue ainda é comum existir a ideia de que as mulheres se devem submeter aos homens ou que quando estes lhes batem é um sinal de amor.
O diretor para a África Austral e Oriental da Amnistia Internacional, Deprose Muchena, declara que “as medidas de confinamento significaram que as mulheres não podiam escapar de parceiros abusivos ou deixar as suas casas em busca de proteção”.
De acordo com o responsável, citado no comunicado enviado à Renascença, “em toda a África Austral, as mulheres que sofreram violência de género lutaram por denunciar os abusos, porque tanto elas como as organizações que trabalham para garantir a sua proteção e apoio não foram vistas como um serviço essencial e, portanto, enfrentaram restrições severas de movimentos”.
Ausência de estruturas de apoio a vítimas de violência e abuso
De entre os cinco países onde a violência de género foi documentada, Moçambique, África do Sul e Zimbábue, destacam-se como aqueles onde “os serviços de apoio a jovens e mulheres sujeitas a violência e abuso não foram tidos em consideração na conceção das medidas de controlo da Covid-19”, indica o relatório da organização não-governamental (ONG).
Em Moçambique, a Amnistia Internacional dá conta de um número invulgarmente elevado de casos de violência doméstica, relatados a organizações da sociedade civil, após o início do estado de emergência, em março de 2020, exemplificando com um caso de um homem que matou a sua esposa e, depois, suicidou-se, a 6 de junho, no distrito da Matola, na província de Maputo.
Segundo a ONG, também há relatos de “um caso de roubo, violação sexual e assassinato de uma funcionária do Hospital Central de Maputo, a 31 de maio de 2020”.
“A mulher estava a caminho de casa, por causa da escassez de transportes públicos durante as restrições aprovadas no âmbito do estado de emergência”, descreve a AI, dando ainda nota de “várias barreiras enfrentadas pelas vítimas e sobreviventes de violência de género”.
Entre essas barreiras estão, segundo a AI, a “falta de confiança no sistema de justiça e traumas sofridos às mãos das autoridades, incluindo a polícia, e dos serviços de saúde, quando tentam relatar os casos”.
Já na África do Sul, as autoridades registaram no primeiro confinamento 2.300 pedidos de ajuda devido a violência de género, tendo, em meados de junho, 21 mulheres e crianças sido assassinadas por parceiros íntimos.
No Zimbabué, só uma organização de apoio a vítimas de violência doméstica documentou 764 casos de violência de género nos primeiros 11 dias de confinamento nacional, valor que subiu para 2.768 em 13 de junho.
O aumento da pobreza, devido às regras de confinamento, foi "um fator fulcral para o aumento da violência de género" durante o recolhimento, tendo mulheres e crianças ficado mais dependentes de parceiros abusivos.
A Zâmbia registou, segundo dados das autoridades, uma diminuição da violência de género durante o período de confinamento face ao mesmo valor de 2019.
Governos falharam na proteção dos direitos humanos
O relatório da Amnistia Internacional conclui que as medidas restritivas na África Austral “precipitaram aumentos chocantes na violência de género, pois transformaram lares em gaiolas de ferro, em que os homens praticam abusos contra mulheres e raparigas”.
O documento analisou os pontos de intersecção entre a violência de género, as respostas à pandemia, as práticas socioculturais e as barreiras à justiça na África Austral.
Um exercício, indica a ONG, que confere “visibilidade ao violento emaranhado das instituições e decisões políticas governamentais com a ordem social patriarcal em que as mulheres e raparigas se encontram enclausuradas, com pouca esperança de libertação”.
“Este relatório coloca, em última análise, em evidência a falha dos governos na África Austral na proteção dos direitos humanos das mulheres e raparigas durante a pandemia”, pode ler-se no documento a que a Renascença teve acesso.
Segundo os dados mais recentes do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC), o número de infetados neste continente, desde o início da pandemia, é de 3.667.546 e o de mortes é de 95.075.
A pandemia de Covid-19 provocou mais de 2.316.000 mortos no mundo, resultantes de mais de 106 milhões de casos de infeção, segundo um balanço da agência francesa AFP.