Padre João Lourenço: “Deus nos livre de sinais de triunfo de grupos como o Hamas”
09-10-2023 - 07:00
 • Filipa Ribeiro

Padre João Lourenço estudou em Israel e foi durante muitos anos comissário da Terra Santa em Portugal. Em entrevista à Renascença, fala sobre os problemas na região que está novamente em guerra.

Israel está em guerra com o Hamas depois dos ataques deste fim-de-semana. Já morreram mais de mil pessoas entre as vítimas na Faixa de Gaza e em Israel. Em causa, problemas que estão por resolver há décadas.

O padre João Lourenço, editor da revista internacional Terra Santa, olha para o conflito na região, que conhece bem. Professor catedrático emérito da Faculdade de Teologia da UCP, que dirigiu, este sacerdote franciscano é doutorado pela Pontifícia Universidade Antonianum, de Jerusalém, e foi durante vários anos comissário da Terra Santa em Portugal, organizando múltiplas peregrinações aos locais santos. Em entrevista à Renascença, explica o que está em causa, reforça a ideia de que dificilmente será restabelecida a paz naquela zona sem uma intervenção forte da comunidade internacional.


Começou uma nova guerra em Israel. O Hamas voltou a atacar e os israelitas a responder em força. Como vê estes acontecimentos?

É difícil comentar pelo facto de que me provoca muito espanto. Um espanto enorme. Sabendo nós que Israel tem uns serviços secretos tecnologicamente dos mais sofisticados do mundo, como é possível acontecer uma coisa destas com estas tês vertentes: um ataque com uma abrangência por terra, mar e ar?

Vamos ver como é que a situação evolui. É verdadeiramente espantoso, como isto pode acontecer.

Há injustiças históricas muito evidentes, mas não justificam os meios usados para tentar, porventura, recuperar alguns direitos.

É para mim uma evidência que Israel e os seus vizinhos, particularmente os Palestinianos, com uma longa história de tribulações, nunca vão, ou dificilmente só talvez por um ato misericordioso de Deus, chegar a um entendimento. São povos com uma identidade histórica completamente diferente, com um acervo de razões tão profundas e diferenças tão profundas nas suas conceções do mundo que dificilmente será possível estabelecer aqui um entendimento. Acho que esse entendimento, a acontecer, terá de ser feito por uma forte imposição Internacional, que há muito tempo devia ter acontecido, porque os acordos que têm existido são apenas paninhos quentes para remediar lesões graves. E as lesões graves têm de ser curadas com profundidade.


De que forma os países que estão de fora podem ajudar?

Eu não sei como é que vai ser resolvido, mas vai continuar a ficar a ferida.

Eu tenho pena que o mundo palestiniano viva há décadas e décadas a ignorar a vida real e concreta. Gaza é um barril de pólvora a explodir em cada momento. Vivem ali acima de dois milhões e pessoas - um barril de pólvora, em que nada acontece a não ser a indústria da guerra e do atentado. Sustentado por quem? Por uma bandidagem que é o que se pode dizer a quem este conflito interessa para ignorar verdadeiramente os problemas dos respetivos povos, principalmente dessa loja satânica que é o Irão. Estes grupos (Hmas e Helzbolah) vivem para fomentar aquilo que todos nós conhecemos: se queres a paz na tua casa tens de começar uma guerra com o teu vizinho.

A paz entre Israel e os palestinianos só pode acontecer quando houver, verdadeiramente, um empenho para dar a esta gente, a estes grupos palestinianos, uma liberdade de pensamento, uma autonomia de trabalho, um projeto de vida. E nesse aspeto, Israel deve colaborar e não pode estar com esta política permanente de cavar um fosso.


Há muitos grupos que se juntaram ao Hamas dizendo que tencionam ajudá-los a atacar Israel. Também muitos países do ocidente, como os Estados Unidos, estão do lado de Israel. Acredita que a situação poderá escalar ou há ainda espaço para se estabelecer a paz na região?

Será difícil que da atual situação surja um qualquer indício positivo, no sentido em que nós o entendemos para construir uma paz e uma harmonia na região. Todos estes grupos e grupelhos aparecem quando há estes conflitos, simplesmente para dizerem que existem e para espalharem ondas do terror, porque, de facto, é a identidade deles. Deus nos livre de sinais de triunfo desses grupos.

O conflito em si deve ser refletido e meditado por Israel e por aqueles que os apoiam. Devem pensar no que deve ser proporcionado a estas populações e como pode ser restituída a dignidade para que elas se possam restaurar e reiniciar um processo. O Hamas e Hezbollah não vão fazer isso - eles vivem apenas de levantar a voz, não estão a construir nada para trazer futuro a estas gerações.

Os dois lados precisam de construir pontes em vez de muros e de usar mesas em vez de linhas de arame farpado.

Mesmo o próprio primeiro-ministro de Israel implementou a teoria do estado judaico, quando deveria ser um estado democrático. Colocou no país o desprezo por todos os que não são de raça judia criando separações.


Quando pensamos em Israel, pensamos na riqueza de religiões. Há até dificuldade em entender que esta zona seja tão conflituosa. É possível que as religiões, de certa forma, possam ajudar a encontrar uma solução?

Se é possível não sei, mas deveria ser. Não se esqueça que por trás do paradigma religioso está presente um nacionalismo exacerbado e é difícil distinguir em que medida é que há ali religião, em que medida há ali religião com alguma coisa transcendente. Na maioria dos casos, o que há é um capacete para esconder, para afirmar identidades contra o outro. As religiões no Médio Oriente para sobreviverem precisam muito de se afirmar e a maioria delas fazem isso, principalmente aquelas que têm uma espécie de islamização forçada.


Costuma visitar Israel?

Sou um visitador frequente, organizo grupos para ir lá em turismo. Há uns 4 anos, antes da pandemia, almoçamos num dos locais que está agora cheio de reféns perto da Faixa de Gaza.