Três homens acorrentados, arrastando-se pelo deserto com uma pedra, repetindo uma tarefa sem perspetivas de a concluírem ou de a ela sobreviverem, dominam “Inimigos da Liberdade”, peça a estrear esta quarta-feira, no Teatro da Trindade, em Lisboa.
“Inimigos da Liberdade – Peça para três escravos”, a representar na sala Estúdio do Trindade, é um texto de Manuel Pureza - que também o encena -, com o qual venceu a edição de 2018/2019 do prémio Miguel Rovisco Novos Textos Teatrais do teatro da Fundação Inatel, e assinala a estreia do realizador no trabalho para palco.
Carregar uma pedra gigante de um lado para o outro é a única função dos três homens, numa alusão ao mito de Sísifo. Mas quando a pedra encrava, deparam-se com o drama de quem, no meio de nenhures, fica a meio de uma tarefa sem perspetivas de a concluir, de lhe sobreviver ou de sequer equacionar por que motivo a desempenha. E é esse o momento de "Inimigos da Liberdade".
A ação demonstra que insistem na tarefa, porque sempre o fizeram, porque não sabem fazer outra coisa. Todavia, a memória acaba por atraiçoar as personagens e a fadiga por as enganar, enquanto as dúvidas se vão instalando pouco a pouco. E a revelação vai acontecendo enquanto o deserto, que na peça se apresenta como manifestação do tempo, se impõe de forma cruel, com a repetição do nada.
Escrita “de uma penada quase numa semana”, em que se fechou para a elaborar, a ideia para a peça tinha “quase uns bons sete anos, sem que a tivesse passado para o papel”, acrescentou Manuel Pureza.
“Os inimigos da liberdade somos nós próprios"
“Fui juntando assim umas coisas e umas músicas e umas ideias e umas conversas, e depois acabei por escrevê-la”, disse o autor, sublinhando, porém, que agora a considera “incompleta”, o que resulta de uma “insatisfação constante” da sua parte.
Questionar o sistema perfeito, “que nos põe com medo de nós próprios”, foi o princípio que levou o realizador de televisão e de filmes, como "Linhas de Sangue" e "Teorias da Conspiração", a escrever uma ideia que se foi reforçando desde que foi pai (o filho tem agora oito anos), disse.
“Os inimigos da liberdade somos nós próprios. Já nem sequer precisamos de ser policiados. Estes tipos são escravos de ninguém, são de eles próprios”, enfatizou.
A peça nasce assim de questionar que "a ditadura perfeita é esta que não tem cara”, inquietação que considerou como um “legado familiar”, referiu, sendo filho do deputado do BE José Manuel Pureza.
"Há aqui uma coisa maior que é eu chegar a casa e dizer 'ah vou cortar o meu dedo mindinho porque não preciso dele'. Eles disseram-me que não preciso, portanto eu se calhar não preciso'", referiu.
Interpretada por João Craveiro, Cristóvão Campos e João Vicente”, “Inimigos da Liberdade – Peça para três escravos” tem cenografia de André Amoedo e Tomás Schiappa, figurinos de Mia Lourenço, desenho de luz de João Cachulo, desenho de som de João Cruz e é uma produção do Teatro da Trindade/Inatel.
A peça vai estar em cena a partir de quarta-feira, 27 de novembro, até 29 de dezembro, com espetáculos de quarta-feira a domingo, às 19h00.