O Presidente da República alertou para a necessidade de encontrar um meio adequado para criminalizar a corrupção e que há vários caminhos que podem ser seguidos, respeitando a Constituição.
Marcelo defendeu, aliás, que “já se perdeu tempo demais” e que este passo já devia ter sido dado. Acrescentou que, se não for desta, com o contexto em torno do processo Marquês, há o risco de nunca vir a ser.
Que reação tiveram os partidos ao "ralhete" do Presidente?
Agora, todos se mexem. Até esta semana, o PS insistia que a lei que visa criminalizar quem não declara acréscimo de rendimentos já existe, mas depois de ouvir o Presidente admitiu que há algumas arestas por limar.
Há até quem, no PS, admita olhar para a proposta feita pela Associação Sindical dos Juízes, que considera necessária uma alteração da lei dos titulares de cargos públicos para que o crime de ocultação de riqueza seja efetivamente investigado e punido.
Mas não é totalmente consensual, porque a líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, por exemplo, já disse que o problema não é a falta de leis para provar discrepâncias nos rendimentos, mas sim a falta de eficácia por parte de quem tem de analisá-las – no caso, a Entidade da Transparência, que nem sequer tem ainda uma sede para estar em plenas funções.
E os outros partidos?
Mesmo antes do tal “ralhete” do Presidente da República, o PCP já tinha apresentado uma proposta, em que tem vindo a insistir há muito: os comunistas querem a criação do crime de enriquecimento injustificado com penas até três anos, mas que é agravado para titulares de cargos políticos e públicos até aos cinco.
É um projeto que faz parte de um pacote de medidas de combate à corrupção, que prevê “um dever geral de declaração às Finanças” a quem tem “património e rendimentos de valor superior a 400 salários mínimos (o equivalente a 226.000 euros).
Prevê também um dever de atualização e de justificação de origem logo a partir dos 100 salários mínimos, o que equivale a 66.500 euros.
E, nesta quarta-feira de manhã, o Bloco de Esquerda apresenta o seu projeto. Os bloquistas lembram que, em 2020, na comissão da Transparência, conseguiram pôr na lei uma taxa de 80% sobre o enriquecimento não justificado, mas também já anunciaram que pretendem ir mais longe, a partir da proposta da Associação dos Juízes.
E à direita?
O CDS disse na terça-feira que deve apresentar uma proposta na próxima semana, que vai ter como objetivo “penalizar o enriquecimento ilícito, para que a decência e os valores éticos e morais dos governantes não prescrevam e que haja uma maior transparência no exercício de funções públicas”, anunciou o líder, Francisco Rodrigues dos Santos.
O Chega já entregou dois projetos sobre o enriquecimento ilícito e injustificado, que visam punir quem tenha património ou despesas incompatíveis com os seus rendimentos e que fiscalize as despesas feitas por políticos e altos cargos públicos.
Sobra o PSD, que parece ter a faca e o queijo na mão…
Sim, mas não tem sido muito direto. Por um lado, Rui Rio admitiu que a proposta dos juízes era para ser tida em conta, desde que não fosse de forma desgarrada, o que já mostra reservas; depois, David Justino, um dos vices do partido, veio reforçar que o PSD está disponível para aprovar uma lei nesse sentido.
O PSD mostra-se disponível para negociar, encontrar pontes e aprovar, não sem antes analisar as propostas e ouvir especialistas.
Por um lado, o PSD diz que "o sistema de Justiça não se tem mostrado capaz de combater a corrupção, pelo que serão necessárias alterações nesse sentido", mas depois acrescenta que nem a criminalização do enriquecimento ilícito resolve o problema da corrupção, nem o problema da corrupção resolve o problema da Justiça como um todo.
O Tribunal Constitucional já chumbou duas vezes leis que puniam o enriquecimento injustificado
Primeiro em 2012 e depois em 2015. Da última vez, os juízes do Palácio Ratton decidiram por unanimidade – depois do então Presidente Cavaco Silva ter pedido a fiscalização preventiva da lei proposta por PSD e CDS – que o diploma violava os princípios da legalidade penal, da necessidade de pena e contrariava o princípio da presunção da inocência.
Por isso é que não é muito fácil encontrar uma forma airosa de criar este novo crime.