Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal 'Público', o antigo governante prefere não comentar as estratégias do executivo – embora as medidas do OE2022 tenham saído do seu gabinete -, mas acredita que as condições são “muito favoráveis” à recuperação económica.
Portugal enfrenta uma inflação crescente. Como é que tem visto estas medidas de resposta por parte do Governo para o alívio das famílias e das empresas com a perda de poder de compra?
Portugal e a Europa, e de alguma forma o mundo ocidental, foram sujeitos a um choque muito negativo de aumento dos preços de energia e das matérias-primas. É um choque inevitável, mas quer Portugal, quer a Europa fizeram um esforço significativo de atenuar o efeito. Tem sido feito um esforço de uma forma coordenada. Se olharmos para as medidas a nível europeu nos combustíveis, falamos de medidas massivas. As pessoas podem não sentir, mas são medidas muito exigentes. Portugal conseguiu ir ainda mais longe na parte de eletricidade. Tem a ver com o acordo com Espanha, mas também tem a ver com a aposta que temos nas renováveis.
Mas o poder de compra continua a ser muito baixo. É possível ir mais além?
Não queria entrar muito nas medidas. É importante ver o impacto do está a ser feito. Os mais vulneráveis têm que ser protegidos e há medidas específicas para isso às quais o OE vem acrescentar respostas mais de longo prazo. Destaco duas: o aumento extraordinário das pensões, o mínimo de existência e a garantia para a infância.
E no OE2023 estas medidas têm margem para poderem continuar?
O aumento das pensões que houve agora é extraordinário no sentido de que não está previsto na lei, mas é de caráter permanente e fica para os próximos anos. Estou convencido que nos próximos anos o país vai beneficiar do aumento bastante significativo a médio prazo dos salários médios. Há fatores importantes que apontam nessa direção. Nos últimos cinco/seis anos, o salário médio aumentou um pouco mais do que na Europa.
Não podemos esquecer que esse aumento esteve associado ao aumento de meio milhão de trabalhadores - que foi talvez dos efeitos macroeconómicos mais positivos que conseguimos nos últimos seis anos. O que é de esperar nos próximos anos é que haja menos crescimento extensivo e mais assente no aumento da produtividade e dos salários.
Portugal vai ser o país com maior aumento da qualificação média quando as novas gerações começarem a dominar o mercado de trabalho. Vai ser um país em que o emprego já vai estar mais estável e vai criar condições para um aumento bastante significativo em termos estruturais, da produtividade e dos salários. O tal acordo de rendimento pode ser importante, até porque há condições macroeconómicas e de oportunidade que sugerem que vamos conseguir suportar os salários mais elevados.
O programa do Governo fala de aumento do salário médio até 20%, até ao final da legislatura. É uma meta que lhe parece que é exequível?
Penso que sim. Há aqui alguma incerteza sobre o efeito desta crise e da inflação. É uma incerteza que também aconselha alguma prudência na análise. Mas temos condições de médio prazo muito favoráveis ao aumento dos salários, porque temos uma população mais qualificada, temos mais investimento e temos já um emprego já mais estabilizado.
A Comissão Europeia voltou a propor a suspensão das regras orçamentais no próximo ano. Estamos mais perto da possibilidade de alteração do Tratado Orçamental da União Europeia? De termos regras mais flexíveis?
O que levou à suspensão das regras no próximo ano é um pouco diferente do que foi feito na pandemia. Na pandemia era natural e óbvio que todos os défices aumentaram e que nós não iríamos cumprir aqueles limites do défice de 3%. Em 2021 é um conjunto significativo de países com défice acima de 3%. Portugal já não fez parte desses países. Para 2023 é um contexto diferente. Não é a ideia clara de que que não vamos cumprir o défice de 3%, é mais a perceção de que estamos num contexto de grande incerteza, de não saber como é que a guerra vai evoluir ou o impacto da inflação. E perante este contexto de incerteza decidiu-se suspender por mais um ano. Mas tem um caráter diferente.
Sobre a questão da governação económica. Tem que haver uma alteração da governação económica. Uma outra questão é se implica ou não a revisão dos tratados. Existe entendimento, e inclino-me para achar que é o mais adequado, que será demasiado complicado alterar os tratados, porque implica muita divisão e é algo muito exigente porque implica consenso entre os países. Não é fácil de implementar.
Deve-se criar uma regra que permita uma redução sustentável da dívida pública dos países, mas que ao mesmo tempo garanta que essa redução é realista, e que há uma redução que é compatível com o crescimento económico. E é muito importante uma redução que seja feita de forma realista, exequível e compatível com o crescimento económico, seja favorável ao crime económico e não uma redução cega que imponha depois a austeridade e dificuldades na Europa.
O primeiro-ministro dizia que a adesão previsível da Ucrânia poderia provocar e implicar mesmo a alteração dos tratados e dos fundamentos da União. Podemos chegar a isso?
A partir do momento em que haja um alargamento, é fundamental que essa nova entrada de países esteja associada à revisão dos mecanismos de decisão na Europa, em particular nos mecanismos que exigem unanimidade porque senão a Europa paralisa e não consegue tomar decisões. Temos que caminhar para um sentido em que se deixe de exigir unanimidade em determinadas áreas, e uma delas é a área da política externa e fiscal.