Quase 30 minutos de aula, com um Presidente da República à vontade perante as câmaras e a explicar aos mais novos as dez lições que devem aprender sobre a pandemia. Marcelo Rebelo de Sousa regressou esta segunda-feira aquela que foi a sua profissão toda a vida. O professor explicou, logo no início, que o tema da aula seriam as “lições da pandemia”.
Depois de “abraçar” virtualmente professores, pais e avós que “nunca estudaram tanto” como nestes tempos, agradeceu o “serviço ao país” prestado pelo Ministério da Educação, RTP e Fundação Calouste Gulbenkian que permitiu levar a cabo o projeto #EstudoEmCasa, de ensino à distância.
De pé no estúdio, Marcelo Rebelo de Sousa começou por perguntar aos alunos se sabiam o que era uma pandemia. Depois de explicar o princípio de uma “doença contagiosa que se espalha pelo mundo”, o professor entrou nos dez pontos que tinha preparado para a aula.
Na primeira lição, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que “o mais importante da vida, é a vida e a saúde, tudo o resto perde sentido sem vida e saúde”. Por isso, o presidente/professor referiu que era devido um agradecimento “aos profissionais de saúde”.
Na segunda lição, o chefe de Estado destacou o facto de a pandemia ser global e, como tal, é dever de “todo o mundo evitar, responder, combater” a pandemia do novo coronavírus.
“Infelizmente, isso não aconteceu em todos os momentos”, lamentou Marcelo que apontou que era “bom que não aconteça o mesmo quando chegarem as vacinas”. Segundo o Presidente, “não pode haver cidadãos de segunda e terceira”.
Mas a crítica estava reservada para a terceira lição. Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “a Europa andou distraída no início” da pandemia. “Houve países que acharam que escapavam”, referiu o Presidente, que acrescentou, no entanto, que “a Europa percebeu tarde, mas percebeu”.
Na quarta lição, aos seus telealunos, Marcelo explicou que nesta epidemia ninguém está imune ao vírus. Aos que ficaram em casa “semanas e meses”, sublinhou que “isso só foi possível, porque houve quem fosse trabalhar” para tratar de coisas básicas, como a luz, o gás ou os correios. Como tal, disse Marcelo, “nunca é demais agradecer o trabalho com riscos” levado a cabo por essas pessoas.
Persistindo na ideia de que o “vírus ataca toda a gente”, o professor Marcelo avançou para a quinta lição lembrando aos mais novos que são os mais velhos – como ele próprio que tem “71 anos e meio” - que estão mais vulneráveis. Aos jovens que “têm a obrigação de não pensarem que são eternos”, Marcelo lembrou as obrigações de “usar máscara”, manter o distanciamento para “proteger os mais velhos”.
Também no mesmo tom surgiu a sexta lição. O vírus ataca todos, mas sobretudo “os mais pobres e fracos”, disse Marcelo aos alunos.
Numa sessão em que nos bastidores estava o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, Marcelo Rebelo de Sousa falou da necessidade de “mudar um bocadinho do país”. “Se temos um em cada três cidadãos nos grupos de risco, e um em cada cinco dos que vivem em Portugal vivem abaixo do nível de pobreza” é preciso atuar. Segundo o Presidente da República, “um dia vai ver-se que foram os mais pobres” os mais atingidos pela Covid-19.
À medida que os minutos contavam no relógio da telescola, Marcelo ia dando lições mais prolongadas. Na sétima lição, falou dos “milhares de emigrantes que quiserem vir a Portugal nas férias da Páscoa”. Sobre eles, o Presidente lembrou que lhes foi pedido que não viessem, “sacrificando as famílias, para não haver o risco de aumentar o contágio”. Agora que as férias de verão se aproximam, agora a esses emigrantes está a ser pedido “que tenham cuidado com os avós, para tentar baixar o número de infetados”.
A oitava lição foi destinada aos mais novos que o escutavam. Marcelo lembrou que eles “passaram semanas ou meses fechados em casa, com os irmãos, pais e avós, e estiveram distantes dos outros familiares, amigos e colegas de escola”.
O professor universitário, que hoje dava uma aula aos mais novos, reconheceu que este confinamento “às vezes foi um cansaço, foi mesmo uma irritação e, de vez em quando, uma guerra”. Mas há lições a tirar, diz Marcelo Rebelo de Sousa: “a família é a família, e poderem estar com os mais queridos, e mais próximos de vós, é inesquecível”, sublinhou o Presidente, que concluiu que “é o melhor que temos na vida, é poder conhecer bem os que significam mais na nossa vida”.
Quase a chegar ao fim, Marcelo demorou-se mais na nona lição começando por reconhecer perante os alunos que: “mudou muita coisa na vossa vida”.
Recordando que já viveu várias epidemias, Marcelo admite que “esta foi longa e dura” e ainda não terminou. Há o risco de uma segunda vaga. Mas o Presidente lembrou aos estudantes que “nunca se estudou tanto pela internet, nunca se trabalhou tanto de casa com computador e nunca se falou tanto com parentes e colegas através da internet, como se falou nos últimos meses”.
“Descobri o valor das pequenas coisas”, confessou Marcelo Rebelo de Sousa, que reconheceu que durante o confinamento, “de tanto passear no Palácio de Belém”, ficou a conhecer melhor todos os cantos à casa.
Foi aqui que o Presidente da República apelou aos alunos para que pensassem naqueles que “vivem fechados em casa todos os dias, não só os presos, mas também os idosos que não saem de casa, ou os que têm dificuldade de mobilidade”. Marcelo apelou aos alunos para darem valor a isso.
Fruto desta experiência “vai haver mais teletrabalho, mais experiências usando o computador e a televisão para aprender e ensinar”, refere o Presidente.
Marcelo que pediu “bom senso” nos encontros agora em tempo de desconfinamento, falou do “novo normal” e admitiu que lhe custaram os dias sem poder ir nadar, como gosta de fazer perto de casa. “O primeiro dia em que pude nadar, soube como se fosse o primeiro banho de mar da vida. Dá-se valor ao que é raro”, indicou o Presidente.
Fama de beijoqueiro de Marcelo
Diante das câmaras, o chefe de Estado cometeu uma inconfidência, admitindo que lhe “apetece é chegar ao fim, e abraçar”. Aos alunos que o escutavam nesta lição pela telescola, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que tem “fama de ser beijoqueiro” e disse que a “culpa é da família”.
“Faz-me falta passar por um amigo ou neto, e dar um beijo”, confessou o Presidente, que lembrou que o seu filho que vive no Brasil, veio a Portugal há dias e que “ele não resistiu” e abraçou o pai Marcelo. “De repente caí em mim, estou a fazer uma coisa que não posso fazer!”, reconheceu o Presidente da República.
A fechar a aula, Marcelo deixou a décima lição sobre a pandemia de Covid-19, “neste mundo de pernas para o ar”, como lhe chamou. “Os professores fizeram das tripas coração. Pode ter acontecido que o ano tenha corrido melhor ou pior. Se correu muito bem, parabéns, mas se correu menos bem, não fiquem desolados. Não é o fim do mundo. Vocês tiveram a mais importante aula das vossas vidas”, disse Marcelo.
“Não há aula que valha mais do que a aula que tiveram de vida”, lembrou o professor que reconhecendo que é “velhinho”, mas que “nunca tinha vivido isto”. “De repente haver uma pandemia que para o mundo, reintroduz as fronteiras, para tudo! Sem se saber por quanto tempo. Vocês estiveram uma experiência única que nunca mais vão esquecer nas vossas vidas”.
Marcelo Rebelo de Sousa terminou lembrando aos alunos que “um dia mais tarde contem aos vossos filhos e netos esta história, porque a escola também é isso”.
A lição terminou com o Presidente da República a dizer que: “como de costume acabo sempre antes do tempo” as aulas. E assim foi, manteve-se a tradição, com a aula concluída dois minutos antes da hora prevista e com o presidente a deixar “um abraço” do chefe de Estado, mas também “de um amigo, porque o professor é sempre um amigo”.