Admite que já teve reações extremamente desagradáveis com a sua rubrica humorística na Renascença, ainda assim, Joana Marques diz que “ainda bem que é assim”.
“Haver uma reação visceral é normal”, diz a humorista. A líder do podcast mais escutado e animadora do programa As Três da Manhã, da Renascença, está a lançar o seu quarto livro.
Diz que está a uma “distância de segurança de ser escritora”, mas confessa que se diverte bastante a escrever. “Apontar é Feio” (ed. Contraponto) é um livro em que Joana Marques passou pela “experiência dolorosa” de reler os seus textos.
São escritos sobre temas e obsessões que tem, desde um aspirador que faz a limpeza de casa sozinho, até Greta Thunberg, futebol e outros temas. Jurada dos Ídolos, Joana Marques diz que tem aprendido mais sobre música, mas não corre o risco de cantar, embora dê o ar de sua graça por vezes n’As Três da Manhã, ao lado de Ana Galvão e Inês Lopes Gonçalves.
Sobre a rádio que tem hoje “um lugar principal” na sua vida, Joana Marques recorda a experiência do Três por Todos. E espanta-se com a ligação aos ouvintes: “Sabem imenso sobre nós. Até coisas que nós já não nos lembramos”, admite.
“Apontar é Feio” é o teu quarto livro. Corres o risco de te tornar uma escritora?
Não, acho que não! Acho que para isso tinha de escrever muito melhor, portanto, estou mais ou menos a salvo. Na verdade, o livro que eu considero um bocadinho mais sério, sendo que nunca são muito sérios, talvez seja o terceiro. Houve um primeiro que fiz há muitos anos, em conjunto com uma colega minha, a Susana Romana, e era assim uma espécie de encomenda. Era um livro mais a brincar sobre os adeptos de vários clubes e esse não deu o trabalho que dão estes agora. Mas mesmo assim considero estar ainda a uma distância de segurança de ser escritora.
Como é que te defines, quando alguém te pergunta qual é a tua profissão?
Humorista!
De que fala “Apontar é Feio”? Dizes que é uma espécie de “caderno com apontamentos que obedece à estratégia que Joana Marques sempre usou para tomar notas na escola”. Podes explicar?
Lembrei-me disso, porque, muitas vezes, na escola estava distraída daquilo que o professor estava a dizer e estava perdida noutros assuntos que não interessavam tanto ali para o caso. E acho que isto é um bocadinho isso. Muitas vezes estou nestas crónicas a falar de assuntos que não são propriamente o assunto do momento.
Que tipo de assuntos?
São assuntos um bocadinho mais laterais. São crónicas que fui escrevendo ao longo do último ano e meio, dois anos, a maioria delas na altura do “Jornal de Notícias”. Não há aqui um tema comum. Eram crónicas muito baseadas na atualidade. Algumas, creio que conseguem perdurar mais no tempo.
Têm a ver, por exemplo, com aquela invenção dos aspiradores que aspiram a casa sozinhos, aqueles robôs. Acho que não é propriamente uma coisa que fique muito ligada a um tempo específico. Mas há outros temas que eram mais da altura. Por exemplo, a Greta Thunberg que, entretanto, desapareceu um bocadinho das notícias, embora ainda esteja viva, claro, e ainda bem, mas já não é um assunto que esteja a ser tão falado agora e aqui há um ano ou dois era muito falada.
Visitou até Portugal e foi nessa altura que eu escrevi sobre ela. Portanto, é difícil de resumir, porque no fundo cada página é um assunto diferente.
É um livro com textos que foram ficando perdidos e soltos?
Sim, foi uma maneira de os agrupar. Tentei depois dar-lhes um sentido conjunto, e achei que estar a organizar de maneira cronológica não faria tanto sentido. Então, dei-me ao trabalho de os reler, que é sempre uma experiência um bocado dolorosa. Prefiro escrever do que estar a lê-los. Mas estive a relê-los e juntei-os por temas e percebi que há alguns temas que são, se calhar, umas pequenas obsessões minhas e consegui dividi-los por capítulos assim. Os que têm mais a ver com um assunto, com o outro e acho que assim o livro passou a ter princípio, meio e fim.
Que obsessões são essas?
Falando da Greta [Thunberg], acho que um deles é aquele ambientalismo exagerado. Consegui encontrar vários textos sobre o mesmo assunto. Além da Greta, havia uma história de gente que defendia que não se tivesse filhos, porque isso é que era bom para o ambiente, porque de facto as crianças poluem muito. Era um movimento que foi lançado na Europa, acho que começou nos países nórdicos e depois foi chegando cá. Houve até um cartaz a promover esse movimento ali na zona de Sintra.
Lembro-me também de pessoas que eram tão a favor da compostagem que sugeriam até a compostagem humana e outras bizarrias assim, muito ligadas ao ambientalismo pouco saudável. E depois há, obviamente, aqueles temas que têm mais a ver com a política, com a justiça, sobretudo a justiça, que nos tem dados temas pouco interessantes, se pensarmos da forma como afeta a nossa vida, mas que tem um potencial comigo grande.
Alguns exemplos?
Seja José Sócrates, seja alguns banqueiros – e isso também são temas obviamente que se cruzam sempre connosco, porque afetam diretamente as nossas vidas. Como aquele juiz que era muito dado ao Muay Thai, às artes marciais, enfim.
Depois há o futebol, que obviamente também é um terreno muito fértil para encontrar coisas engraçadas. Consegui dividir uma série de capítulos que tentei organizar aqui, como se fosse, matéria da escola.
Há a físico-química, que se calhar tem mais a ver com relações entre as pessoas; há História de Portugal, que tem a ver com hábitos que são muito nossos e coisas muito características; há a parte do desporto, etc. Organizei assim, como se fosse um livro da escola.
Este livro tem alguma inspiração no teu trabalho, na rádio, no teu dia-a-dia?
Acho que muitas vezes os temas são comuns. Às vezes, há temas que, quando é para os usar no Extremamente Desagradável, preciso sempre que tenham um lado mais sonoro, digamos assim; que haja sons ou vídeos que eu possa analisar na rádio.
Mas alguns temas são tão ricos que dá… vou dar uma imagem um bocadinho feia, mas é como se fossem um porco ou uma vaca no talho e que depois se aproveita em várias peças diferentes, em vários cortes diferentes.
Então, às vezes o mesmo tema dá para usar na rádio, e falar isso num aspeto específico, e depois também para fazer um texto, às vezes, até pegando noutra parte e noutra faceta do mesmo tema. Obviamente que os temas se cruzam e eu acho que a minha escrita é muito parecida, talvez porque eu sou limitada nisso!
É parecida, tanto na rádio como depois, escrevendo crónicas, embora haja obviamente diferenças. E eu gosto mais até de escrever para ser lido, porque acho que não se perde nada. Vai diretamente de quem escreve, até quem lê e não há informação perdida pelo caminho, enquanto quando se escreve para a rádio ou televisão há outros aspetos a ter em conta – e aqui gosto muito, porque sei que as pessoas vão ler exatamente o que eu escrevi, para o bem e para o mal! É um exercício que me diverte a escrever.
Também és guionista, ou seja, também escreves para outros fazerem rir. É o exemplo do Ricardo Araújo Pereira. Há piadas que podem não funcionar na boca de outros? Como é que te colocas no lugar do outro?
Esse não é o melhor exemplo, mas durante muitos anos escrevi para outras pessoas dizerem. Aconteceu com a Ana Bola, Maria Rueff, etc., para vários programas de televisão. Aí, era um bocadinho pôr-me na pele daquelas personagens que elas faziam e tentar falar como falava aquela personagem. O exercício era, no fundo, ouvir muito quando eram personagens que já existiam.
Ou então, ao criar de raiz, pensar o que é que aquela personagem diria e como é que falaria. Isto, não sendo uma coisa muito profunda, porque obviamente é humor, não é propriamente uma coisa muito densa. Era esse o exercício. Mesmo quando estamos a escrever para alguém que tem de apresentar um programa ou dizer qualquer coisa, tem de ser coisas que aquela pessoa diria. Ou seja, temos que, no fundo, escrever como se fossemos ela.
No caso do Ricardo é um bocadinho diferente, porque não há esta coisa de escrever para. Ele próprio faz sempre essa salvaguarda, é escrever “com”. Como ele também é guionista assumido, ele escreve connosco, ou seja, é mesmo um trabalho em conjunto, não há aquela coisa de cada um fazer um texto e enviar, depois junta-se tudo, não.
Nós somos oito, incluindo o próprio Ricardo, e escrevemos cada linha em conjunto. Portanto, não há tanto esta coisa de vou fazer uma piada para ele dizer. A piada é feita por todos, tem ideias de toda a gente, e no fundo, demora mais tempo, mas acho que tem um resultado melhor no final, porque é mesmo um trabalho conjunto de grupo.
Às vezes, digo à Inês e à Ana que parece que estamos dentro de uma ‘sitcom’
Qual é o teu maior receio enquanto humorista, enquanto criativa, enquanto autora?
Não tenho assim nenhum. Eu tenho imensos receios na minha vida toda! Tenho medo de tudo, desde animais, a doenças, à morte, tudo! Como guionista ou como humorista, não tenho receio nenhum. Acho que até a única área da minha vida em que eu sou destemida ou inconsciente, não sei.
E o Extremamente Desagradável tem trazido experiências desagradáveis na reação de alguns visados?
Tem, claro, algumas! Acho que faz parte e até seria estranho se isso não acontecesse. Acho que era sinal que ninguém estava a ouvir. Estando as pessoas a ouvir e ouvindo bastante, felizmente, acho que é natural que os visados, de vez em quando, não gostem. Às vezes, até nem são eles, mas os fãs que gostam muito daquela pessoa ou para quem um determinado tema é uma coisa importantíssima e isto pode acontecer com qualquer tema.
Qualquer tema?
Podíamos cair no erro de achar que seria só religião, política, futebol, mas é qualquer tema. Fui aprendendo com o tempo. Pode ser muito polémico para alguém ou muito ofensivo e, portanto, acho que essas reações são todas normais e a maioria saudáveis, desde que não entre no campo do insulto. Haver uma reação visceral é normal! Não faço por ter essa reação, mas percebo que é um efeito secundário; não desejável, mas normal.
Estás a ter a experiência como jurada dos Ídolos. Tens aprendido mais sobre música?
Tenho tentado! Ainda por cima estou ali sentada entre a Ana Bacalhau e o Martim Sousa Tavares. Então, cada vez que utilizam um termo que eu não domino, aproveito, até porque passamos ali muitas horas, sobretudo naquela primeira fase dos castings, para ir perguntando ali, nos intervalos de chuva: ‘então aquela expressão que usaste ali quer dizer o quê?’ Aprender a cantar, não vou, mas se pelo menos puder aprender um bocadinho mais sobre a parte teórica, agradeço sempre. É uma oportunidade para saber uma coisa nova.
Acabaste agora a experiência de andar pelo país com o Três por Todos. É cansativo ser reconhecido na rua? Há um limite para fama?
Acredito que deve haver, mas eu acho que isso deve ser mais sentido pelo Cristiano Ronaldo ou pela Madonna. Felizmente, estamos longe disso! E, portanto, neste momento tem só um aspeto simpático, de as pessoas falarem connosco, e também um lado até de um certo alívio de não estarmos a falar sozinhos. Como sabes, falamos aqui num estúdio, em que só nos vemos uns aos outros e, às vezes, é bom ver que há vida lá fora.
Acho que a rádio tem um bocadinho esta magia. As pessoas conhecem-nos bem, porque nos ouvem todos os dias e, então, sabem imenso sobre nós, até coisas que nós já não nos lembramos de ter dito. E sentem uma proximidade grande que eu acho que só é possível numa rádio. Acho que nem na televisão nem com os livros as pessoas sentem esta familiaridade. Sentem que fazem parte, porque nos ouvem muito tempo, todos os dias e ao longo de anos.
Para nós, é interessante poder fazer rádio, assim, fora de portas e poder conhecer essas pessoas. Perceber que não estamos a falar para o vazio. E mesmo eu, sendo uma assumida antissocial, e não adorando o contacto com pessoas, neste contexto específico até gosto e teve graça.
Algum episódio que te recordes?
Por exemplo, uma das ouvintes que veio ter connosco e disse: "Posso dar-vos um abraço?" e, a Ana e a Inês avançaram logo e ela disse: "à Joana não vou dar, porque já sei que ela não gosta". É giro, porque conhecem-nos tão bem que até sabem exatamente de que forma nos hão de abordar. Mas, claro que se me desse um abraço, eu não negava, não é?
Que lugar é que a rádio ocupa hoje na tua vida?
Eu acho que ocupou o lugar principal, não só pela frequência – e aqui não é frequência de rádio, é frequência de tempo, porque é todos os dias. É uma coisa muito intensa e acho que toda a gente que faz rádio sabe disto e percebe.
Eu às vezes digo à Inês e à Ana que parece que nós estamos dentro de uma ‘sitcom’, somos personagens desta sitcom, sendo que não é nada forçado. É o que nós somos, mas se calhar, numa versão um bocadinho mais limada, senão ninguém nos aturava.
No fundo, é estar a fazer uma série, todos os dias, três horas por dia, e durante muito tempo. E, neste caso, com esta grande vantagem de sermos amigas. Portanto, torna tudo assim muito fácil e às vezes uma pessoa até se esquece. Se não fosse o cansaço, às vezes esquecíamo-nos de que estamos a trabalhar, que isto é assim, um emprego e uma coisa a sério; porque às vezes sentimos que estamos só a conversar.
Acho que a rádio e o Extremamente Desagradável, em particular, é o meu trabalho principal. Não desmerecendo aqui todos os outros, que gosto de fazer também, e que me divertem, e também porque gosto dessa coisa de não estar sempre a fazer só uma coisa. Mas, se tivesse que atribuir prioridades, obviamente o Extremamente Desagradável está em primeiro lugar.
Até pelo número de horas que me ocupa na vida! Quando estou a escrever, quando estou a pensar no que vou fazer, e também a quantidade de pessoas que me falam e me dão sugestões, eu estou sempre com um caderno para apontar temas possíveis e também agradeço isso às pessoas que fazem esse trabalho comigo de pesquisa.