Com a segunda semana oficial de campanha eleitoral para as presidenciais à espreita e com o voto antecipado marcado para este domingo em todo o país, começa a surgir no discurso das candidaturas o fantasma da abstenção, eventualmente acentuado pela pandemia e pelo receio na deslocação às urnas em segurança.
Isto ficou clarinho na intervenção deste sábado da mandatária nacional da candidatura de João Ferreira, a ex-deputada Heloísa Apolónia, afastada das listas da CDU nas legislativas de 2019 e agora resgatada para a campanha das presidenciais.
Falando no Fórum Municipal Luís Todi, em Setúbal, apenas com meia sala ocupada na tentativa de cumprir as regras sanitárias em pleno confinamento, Heloísa Apolónia assumiu que "estas eleições decorrem em condições muito particulares nesta situação de pandemia".
E aqui ficou o apelo da ex-deputada que sabe que "há várias pessoas que querendo ir votar, querendo dar o seu voto a João Ferreira têm ainda assim algum receio de se dirigir ao local de voto com medo desta questão da pandemia".
À plateia, Heloísa pediu que seja "um ponto de esclarecimento para essas pessoas, no sentido de transmitir que é possível no dia 24 de janeiro, que estão criadas todas condições, para que o voto seja feito em segurança, com todas as condições sanitárias".
Tratou-se, de resto, de um longo apelo da mandatária nacional do candidato apoiado pelo PCP, frisando ser "fundamental que ninguém falhe o seu voto no dia 24 de janeiro, porque cada voto é relevantíssimo no dia 24", reforçando que "estão asseguradas as condições para que ninguém falhe no dia 24 de janeiro".
Antes de dar a palavra ao candidato presidencial, Heloísa apresentou-o dizendo que um dos "traços distintivos" de João Ferreira "é o apego à Constituição e ao que lá está inscrito, é na Constituição que se atribui dignidade a quem trabalha", resumiu.
Ora, foi exactamente a partir da Lei Fundamental que o candidato estruturou toda a sua intervenção, aproveitando para dar uns remoques ao actual Presidente da República e recandidato, Marcelo Rebelo de Sousa.
Nas "belas páginas" da Constituição está praticamente tudo, na visão de João Ferreira. Falta é "cumprir" o país que lá está escrito. Para o candidato "há um país por cumprir em relação aos mais jovens, como em relação aos mais idosos".
Agarrando no caso dos jovens, João Ferreira destaca que "a Constituição diz que têm direito a uma proteção especial no acesso à educação, no acesso ao emprego, habitação, cultura", acrescentando que "para alguns grupos da população diz que é precisa uma proteção especial".
E porque há sempre um mas, o "mas" de João Ferreira é que o que "existe nas páginas da Constituição tornou-se nos últimos anos numa vulnerabilidade especial".
Isto acontece, na visão do militante comunista, "porque aquele que exerceu as funções de Presidente da República utilizou os seus poderes não para defender, cumprir, fazer cumprir a Constituição como jurou fazer, mas pelo contrário, usou esses poderes, para ao arrepio da Constituição deixar os jovens perante uma vulnerabilidade especial". Estava dado o primeiro remoque a Marcelo Rebelo de Sousa.
Com o candidato presidencial a dar exemplos em que isto acontece, "quando se trata de aceder ao primeiro emprego, ou quando se trata de aceder à habitação, condições essenciais de autonomização dos jovens".
Defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição. O juramento da Lei Fundamental implica, segundo João Ferreira, que "todos os poderes do Presidente têm de ser usados para fazer cumprir este país e mais, para mobilizar a população, os trabalhadores, o povo".
Sim, que para o candidato isto "não é tarefa de um homem só, embora aquele que ocupa o mais alto cargo da Nação tem uma responsabilidade social, mas isto é tarefa para todo um povo que deve estar mobilizado".
Isto tudo serve para João Ferreira poder "dizer a um trabalhador que a Constituição 'está do teu lado, quem não está do teu lado é quem, tendo jurado defendê-la, cumpri-la e fazer cumpri-la não o fez ao longo dos anos". Outro remoque ao presidente-recandidato, Marcelo.
E o terceiro remoque, com João Ferreira a nunca mencionar o nome de Marcelo, foi para garantir ao "povo" e aos "trabalhadores" que "a lei fundamental do país está do teu lado, quem não está do teu lado são aqueles que governando ou exercendo as funções de PR se esqueceram daquilo que diz a lei fundamental do país".
Os ataques a outras candidaturas ficaram a cargo da presidente da câmara de Setúbal, Maria das dores Meira, eleita pelas listas da CDU. Também sem mencionar o nome de André Ventura, toda a gente percebeu a quem a autarca se referia aos "novos fascistas alimentados por velhos fachos que ficaram escondidos debaixo das pedras durante décadas".
Num discurso muito aplaudido pela plateia do Luísa Todi, Maria das Dores Meira a rejeitar que os comunistas sejam "caricaturados com comparações que apenas visam desviar o debate das questões essenciais".
Bom, e para a autarca esta candidatura de João Ferreira "serve também para combater" quem agora surge "com discursos xenófobos e divide portugueses em categorias e etnias e propondo confinamentos selectivos", rematando com um "soubemos combater os velhos fachos, saberemos derrotar os novos fascistas.