O Papa Francisco escutou esta terça-feira alguns testemunhos de vítimas de bullying no Japão.
Francisco encontra-se naquele país para uma visita de quatro dias, que termina na terça-feira. A manhã desta segunda-feira foi dedicada a um encontro com vítimas do sismo, tsunami e desastre nuclear de 2011 e também a um encontro com jovens japoneses, católicos e não só, na Catedral de Santa Maria, em Tóquio.
Em ambos os locais o Papa escutou testemunhos de jovens e o bullying foi um tema comum. Matsuki Kamoshita falou de como a sua família teve de fugir de casa quando toda a sua região foi destruída pelo desastre natural que atingiu o país em 2011. “Em vários dos destinos para onde fomos levados fui vítima de bullying, era tão doloroso que todos os dias eu só queria morrer”, disse o jovem.
Já no encontro com os jovens Francisco ouviu um jovem imigrante filipino a descrever a sua experiência. “Quando andava na escola fui vítima de um bully na minha turma. Numa voz baixa, para que só eu ouvisse, ele dizia: ‘estrangeiro inútil’, ‘gordo’, ‘nojento’. Bastava um olhar para me ridicularizar e pouco a pouco deixei de sorrir até que todos os dias só queria desaparecer”, disse, acrescentando que várias vezes pensou matar-se.
Por fim, um jovem professor também falou do drama social que é este problema. “No Japão estamos sempre a ouvir notícias de bullying e suicídio e os alunos têm dificuldades com os seus amigos e sofrem de ansiedade por causa dos professores ou da escola. Com o aumento dos telemóveis, computadores, dispositivos e outros que tais, muitas crianças aborrecem-se a ter de comunicar ou competir com outras e por isso refugiam-se em si mesmas.”
No seu discurso Francisco foi duro para com esta situação, mas deixou claro que a resposta não está apenas nos professores e nas escolas. “Todos nos devemos unir contra esta cultura do bullying e aprender a dizer: Basta! É uma epidemia, cujo melhor remédio o podeis encontrar vós próprios. Não é suficiente que as instituições educacionais ou os adultos usem todos os recursos à sua disposição para prevenir esta tragédia; ocorre que vos junteis entre vós, entre amigos e companheiros, para dizer: Isto não! Isto é mal!”
“Não existe arma maior para se defender de tais ações do que poderdes levantar-vos, entre companheiros e amigos, e dizer: Aquilo que estás a fazer é uma coisa grave. O medo é sempre inimigo do bem, porque é inimigo do amor e da paz. As grandes religiões ensinam tolerância, harmonia e misericórdia; não ensinam medo, divisão e conflito.”
Tríplice desastre
O dia do Papa arrancou com um encontro com as vítimas do “tríplice desastre” de 2011, quando um sismo abalou a região de Fukushima, que foi depois varrida por um tsunami. O sismo e o tsunami causaram ainda estragos numa central nuclear, com efeitos que perduram até hoje. Morreram mais de 18 mil pessoas.
Francisco elogiou a forma como o povo se uniu para ultrapassar a crise. “Nestes oito anos após o tríplice desastre, o Japão demonstrou como um povo se pode unir em solidariedade, paciência, perseverança e resistência. O caminho para uma recuperação completa poderá ser ainda longo, mas sempre é possível enquanto contar com a alma deste povo capaz de se mobilizar para prestar mútuo socorro e ajuda.”
Contudo, alertou também para o perigo de algumas das vítimas se sentirem esquecidas à medida que os anos passam e continuam sem poder voltar às suas terras, ou a recuperar a vida que tinham antes do desastre. “alguns dos que viviam nas áreas afetadas agora sentem-se esquecidos, e parte deles deve fazer frente a problemas contínuos: terras e florestas contaminadas e os efeitos a longo prazo das radiações. Que este encontro sirva para podermos, juntos, lançar um apelo a todas as pessoas de boa vontade, para que as vítimas destas tragédias continuem a receber a ajuda de que tanto necessitam.”
O desastre nuclear de Fukushima causou uma crise ambiental, mas o mais importante é resolver as feridas no tecido social, disse Francisco. “Um dos males que mais nos afeta está na cultura da indiferença. Urge mobilizar-se para ajudar a tomar consciência que, se um membro de nossa família sofre, todos sofremos com ele; porque não se alcança uma interconexão, se não se cultiva a sabedoria da mútua pertença – pertencemo-nos uns aos outros –, a única capaz de assumir os problemas e as soluções de maneira global.”
“Nesta linha, gostaria de recordar especialmente o acidente nuclear de Daiichi em Fukushima e as suas consequências. Além das preocupações científicas ou médicas, existe ainda um trabalho imenso a fazer para restaurar o tecido da sociedade. Enquanto não se restabelecerem os laços sociais nas comunidades locais e as pessoas não voltarem a ter uma vida segura e estável, não estará completamente solucionado o acidente de Fukushima”, disse.
O Papa, que no dia de domingo visitou Nagasáqui e Hiroxima, tendo estado com sobreviventes das bombas nucleares, aproveitou ainda para ecoar a preocupação dos bispos com a energia nuclear. “Daqui brota a preocupação com o prolongamento do uso da energia nuclear, como justamente apontaram os meus irmãos bispos do Japão, que pediram a abolição das centrais nucleares.”
Esta segunda-feira o Papa tem ainda marcado um encontro privado com o primeiro-ministro Shinzo Abe, seguido de um encontro com as autoridades cívicas do país, a quem fará o último discurso do dia.
Na terça-feira há ainda algumas atividades de manhã, antes de partir de volta para Roma.