Cerca de meia centena de pessoas juntaram-se esta quinta-feira em frente à Assembleia da República, quase sempre em silêncio, num protesto contra a eutanásia, que é votada no Parlamento.
"Eutanásia, genocídio legal", lia-se em letras pintadas a preto e vermelho numa faixa segurada por dois dos vários jovens, alguns dos quais ainda vestidos com a farda do colégio, que se juntaram à manifestação promovida pela Federação pela Vida.
No dia em que a eutanásia volta ao Parlamento, com a votação de projetos de lei do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda e da Iniciativa Liberal, a Federação pela Vida quis reforçar novamente a sua posição sobre um tema que a presidente, Isilda Pegado, diz não compreender como continua a ser discutido, depois do insucesso de sucessivas iniciativas legislativas anteriores.
"Quanto a nós, a questão estava arrumada, não vale a pena continuarmos a insistir tantas vezes na eutanásia até que um dia alguém a aceite. Aquilo que viemos aqui dizer é basta. Basta deste debate estéril que não resolve o problema do sofrimento", disse a responsável.
Na opinião de Isilda Pegado, o papel da Assembleia da República é "escolher quais são as matérias que melhor servem o povo que governa, e esta não é de certeza".
No protesto, que se prolongou durante quase uma hora e em que estiveram presentes deputados do Chega e membros do CDS-PP, reinou sobretudo um "silêncio de morte", como destacava um dos cartazes, interrompido apenas por mensagens curtas que o vice-presidente da Federação entoava ao microfone.
"Não existe uma lei boa para um ato mau", sublinhou António Pinheiro Torres a certa altura, questionando "por que motivo o poder não pode, não quer ou não consegue socorrer quem precisa".
A psiquiatra Margarida Neto, que também se juntou ao protesto, considerou igualmente que o parlamento não tem legitimidade para decidir sobre o tema, defendendo antes o referendo, mas reforçou que a eutanásia é, no seu entender, um retrocesso civilizacional.
Por outro lado, e enquanto médica, sublinhou que o papel dos profissionais de saúde é cuidar dos doentes, lamentando que se possa vir a colocar nas suas mãos a responsabilidade de participar na morte de alguém.
"Isso é atravessar um limiar nunca antes atravessado. A função de um médico é cuidar e acompanhar até ao fim", insistiu, considerando que a resposta para os doentes em sofrimento deve assentar nos cuidados paliativos, no acompanhamento e no reforço da saúde mental, considerando que alguém que tenha esse apoio não opta pela eutanásia.
"Quando alguém que se sente só, desesperado e o seu sofrimento é físico mas também pode ser psicológico, quando esta pessoa se sente sozinha, poderá pedir a eutanásia. Mas se for acompanhada, essa hipótese diminui e é essa a experiência dos cuidados paliativos", afirmou.
Da mesma opinião, Afonso Virtuoso disse que a sociedade e o Estado não podem colocar a possibilidade de matar como solução, mas investir todos os seus esforços no cuidado dos doentes.
"Nem sequer houve a preocupação de legislar sobre os cuidados paliativos e garantir que todos os portugueses têm acesso aos cuidados paliativos antes de se aprovar a eutanásia. É ainda mais escandaloso aprovar-se a eutanásia quando uma grande parte dos portugueses não têm acesso aos cuidados paliativos de que precisam", sustentou.
Os projetos de PS, BE e IL propõem a eutanásia em situações de "lesão definitiva de gravidade extrema" ou "doença grave e incurável". Quanto a este último critério, o PAN estabelece a exigência de "doença grave ou incurável".
Na anterior legislatura, a despenalização em certas condições da morte medicamente assistida, alterando o Código Penal, reuniu maioria alargada no parlamento, mas foi alvo de dois vetos do Presidente da República: uma primeira vez após o chumbo do Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização de Marcelo Rebelo de Sousa. Numa segunda vez, o decreto foi de novo rejeitado pelo Presidente depois de um veto político.
O Presidente vetou este decreto em 26 de novembro, realçando que o novo texto utilizava expressões diferentes na definição do tipo de doenças exigidas e defendeu que o legislador tinha de optar entre a "doença só grave", a "doença grave e incurável" e a "doença incurável e fatal".
Na nota justificativa do veto, Marcelo escreveu que no caso de a Assembleia da República querer "mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida", optará por uma "visão mais radical ou drástica" e questionou se isso corresponde "ao sentimento dominante na sociedade portuguesa".