A pandemia faz-nos repensar a nossa posição no mundo, as nossas metas e ideais. Sentimos a onda de um tsunami que se aproxima e do qual não conseguimos fugir. Neste contexto de emergência exige-se recordar que o futuro não passa apenas pela resolução da crise sanitária e pela recuperação económica, mas que em sentido lato se decidirá pela nossa capacidade como país em resolver a questão educativa. É a educação que nos permite lidar com a antecipação do desastre e promover resiliência social, ética, emocional, cultural, económica e científica.
A COVID-19 mostra o que anteriores crises (epidémicas como a SARS ou MERS, ou mesmo económicas) já enunciavam: a radical desigualdade global, evidente na diferença de acesso a cuidados médicos, a diferença económica entre aqueles que são afetados pela crise de emprego, a diferença da qualidade e no acesso à educação. Face a tudo isto, a vacina é um instrumento para reforçar a confiança, mas não resolve a explosão do nosso modelo civilizacional em curso. Se não conquistarmos a batalha da educação, estará verdadeiramente em causa a possibilidade do país se desenvolver e ter futuro.
Tal como tem vindo a ser amplamente demonstrado pelos sucessivos relatórios PISA, a condição socioeconómica continua a ser determinante para os resultados escolares. No contexto pandémico, o direito à educação foi um dos direitos constitucionais suspensos, sobretudo nos ciclos iniciais de estudo. Em famílias fragilizadas social e economicamente, a narrativa solidária de um Estado ‘On’ foi o seu inverso. Ainda que online, escola esteve sobretudo ‘off’.
Reabertas as escolas, a retoma não se faz com ideologia, com lutas políticas, mas com o esforço de um pacto nacional, ao serviço da causa comum dos jovens de Portugal. Vivemos uma verdadeira emergência educativa e deve-se transformar o ato de E-ducar em verdadeira educação, isto é, em gesto de afirmação da autonomia pessoal que se atinge com o saber informado. Nas universidades, com públicos preparados para a educação ‘na nuvem’, o efeito também se fez sentir de forma sintomática e não tanto pela falta de acesso tecnológico, mas sobretudo por uma exaustão de conectividade que potencia a ansiedade e, de certa forma, a disjunção cognitiva. A aprendizagem tem uma componente de sociabilidade e de autocrescimento que ultrapassa o tecnicismo da transmissão de conhecimento. A educação não se resume à base material da resolução de problemas. Este é efetivamente um dos perigos do momento presente, a ciência não pode liderar a organização da sociedade sem um apoio de ordem moral e cultural. Se o momento de crise que vivemos assinalou o regresso do cientista, que estava a ser posto em causa pelas agendas políticas populistas, o certo é que a sua função não é a de gerir ou liderar a sociedade à revelia do filósofo e do eticista, por exemplo.
A universidade indutora de cidadania, de cultura e sociabilidade é uma organizadora de afetos que não cabe no quadrado do ecrã, não é espaço afirmação de uma racionalidade tecnocrática, mas local de exploração em liberdade, orientada para a capacitação de novos protagonistas que possam contribuir para a construção de um país melhor.
Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica Portuguesa