A União Europeia pode estar prestes a avançar com uma nova lei para proteger os direitos de autor na internet, um pacote de medidas que está a causar polémica e que tem tantos apoiantes quanto críticos.
Contra os que defendem que a lei é necessária, outros há que a consideram o caixão da era da internet livre, onde a informação circula e é partilhada sem restrições. Explicamos-lhe o que está em jogo.
O que propõe a lei?
A lei, que estará sujeita à aprovação dos eurodeputados e, posteriormente, do Conselho Europeu, impõe restrições à publicação de conteúdos protegidos pelos direitos de autor em plataformas online. Por outras palavras, sites como o Facebook, o Google ou o Youtube terão de monitorizar cada conteúdo que os utilizadores divulgam e eliminar os que forem de autoria de outrem.
Que conteúdos poderão ser apagados ao abrigo da lei?
Muito se tem falado sobre a exclusão dos 'memes' – composições gráficas que utilizam fotografias de outros autores para dar fundo a expressões ou frases, normalmente de teor humorístico – o que, inevitavelmente, aconteceria com a aplicação desta nova medida. Contudo, não são apenas os 'memes' que estão em risco.
Publicar citações em comentários ou críticas e links de notícias e vídeos passaria a ser proibido. Coisas como "remixes" de canções e "livestream" (transmissões em direto) para jogadores de videojogos também ficam em risco.
Se a lei for aprovada, como será aplicada online?
A eliminação automática de conteúdos de apropriação seria conseguida através de um filtro prévio pelo qual passaria cada publicação. Neste sentido, as plataformas passariam a incluir tecnologias efetivas de reconhecimento de conteúdos, que excluiriam automaticamente replicações ou material protegido por direitos de autor.
Os grandes sites ficariam assim comprometidos legalmente, sendo estes os responsáveis por responder e arcar com as consequências da utilização indevida de imagens, textos, ficheiros áudio, vídeos, software, hiperligações, etc.
Atualmente, o que vigora é a total liberdade de conteúdos na internet, com sites como o Facebook, o Google, o Twitter e outros a salvo de serem responsabilizados pelas ações individuais de cada utilizador.
YouTube, Facebook, Twitter, Amazon, eBay e Instagram não são, por isso, responsáveis pelas infrações de direitos de autor que um utilizador cometa enquanto as violações não forem reportadas ao site. Só posteriormente ponderam se faz sentido retirar o conteúdo.
Quem sai beneficiado ao abrigo desta lei?
Os defensores da diretiva dos direitos de autor online na UE alegam que, sem um filtro automático, se torna impossível proteger os conteúdos de autoria na internet.
Outro dos objetivos é forçar as grandes plataformas a pagarem por cada partilha de conteúdos de sites noticiosos. Desta forma, dizem os que se posicionam a favor da nova lei, aumentará o tráfego nas 'homepages' dos sites de informação, ou seja, os utilizadores serão obrigados a ir diretamente à fonte, em vez de consultarem as notícias através das redes sociais e de plataformas como o Google.
Já existe alguma lei semelhante a esta?
Em dois Estados-membro da União Europeia há leis similares. E atendendo aos casos da Alemanha e de Espanha, os resultados da aplicação da lei poderão não ser os desejados inicialmente.
Na Alemanha, a lei levou a uma diminuição significativa do tráfego para os sites dos órgãos de comunicação social, pelo que as empresas de media acabaram por oferecer ao Google uma licença gratuita para que o grande motor de busca não deixasse de anexar os seus conteúdos.
Em Espanha, a situação foi ainda mais grave. O Google optou por pôr fim ao Google News em domínio espanhol, já que o pagamento é obrigatório. Ao contrário do que defende a nova lei, o tráfego dos sites noticiosos acabou por diminuir entre 6 e 30%.
O que dizem os que estão contra?
Os que se opõem à lei acreditam que não será fácil criar tecnologias de reconhecimento efetivas que sejam capazes de distinguir os conteúdos que estão abrangidos por direitos de autor dos que não estão.
Outra questão em causa é que a aplicação de tal sistema implicaria custos elevados. Não sendo possível contratar mão-de-obra especializada – já que é humanamente impossível filtrar todas as publicações online -, terá de se criar um filtro poderoso com recurso à inteligência artificial, que seja eficaz na análise de textos, links, áudios, imagens e vídeos. Isto, dizem os especialistas, só será possível recorrendo a empresas norte-americanas.
Ora, o recurso a grandes conglomerados do outro lado do Atlântico eleva preocupações quanto à aplicação do sistema de deteção na UE, colocando os EUA numa posição dominante e de controlo em relação à bloco comunitário.
A par disto, quem está contra a lei defende que a medida levará a um aumento exacerbado do poder dos sites, que escolherão excluir os conteúdos em caso de dúvida, já que a responsabilidade legal é dos gestores dessas plataformas.
O fluxo livre de informação estaria, por isso, comprometido, o que, para os opositores, significa que é a própria democracia que fica em risco nesta era digital.
Que outras críticas são dirigidas à lei?
O artigo 13.º é o mais controverso, porque sugere a retirada de qualquer conteúdo protegido por direitos de autor. Para muitos, este é um princípio perigoso, que espoleta mecanismos de censura, já que as plataformas tenderão a criar um ambiente de bloqueio excessivo.
Os sites terão de ajustar as suas políticas, de forma a poderem apagar as publicações sem dar justificações ou avisos prévios. Um dos receios dos opositores à lei é de que isto desencadeie uma impossibilidade de resposta por parte dos utilizadores, ou até um constrangimento à apresentação de queixas, mesmo que os conteúdos tenham sido publicados com o consentimento do autor.
Também polémico, o artigo 11.º politiza a criação de uma taxa – a chamada “taxa do link” - a ser paga pelas plataformas que partilhem conteúdos dos media. Apesar de a diretriz se destinar à proteção dos sites jornalísticos que produzem notícias, os que rebatem a lei apontam que haverá uma maior desigualdade e que os grandes meios de comunicação sairão beneficiados em relação aos meios mais pequenos ou a start-ups.
Quem está contra e quem está a favor?
Em Portugal, as opiniões mais enfáticas vêm do eurodeputado Marinho Pinto, o único português que integra a Comissão dos Assuntos Jurídicos (JURI), que é favorável à lei, e da eurodeputada Marisa Matias, que é contra. O primeiro aprovou que a proposta da JURI avance para o Conselho Europeu; a segunda chumbou o projeto na Comissão da Indústria, Investigação e Energia.
Do total de 21 eurodeputados portugueses, cinco já tiveram palavra a dizer sobre o assunto.
Carlos Coelho, do PSD, votou contra o artigo 13.º e a favor do artigo 11.º, em prol da “taxa do link”. Carlos Zorrinho, do Partido Socialista, votou a favor dos dois artigos. Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, e Ana Gomes, do PS, manifestaram-se contra ambos. Já Marinho Pinto votou favoravelmente à aprovação da lei como foi apresentada.
À escala mundial, há muitos peritos do domínio da internet a rebelarem-se contra a lei. O criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, é uma das figuras mais emblemáticas, mas também o co-fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, demonstra preocupação quanto à possível adopção da medida.
Artistas como o ex-Beattle Paul McCartney, o tenor lírico Plácido Domingo e os Coldpaly, a par de cantautores portugueses como Salvador Sobral, Ana Moura, Rodrigo Leão e Samuel Úria, são a favor da lei.
Quando é votada a lei e a quem se aplica, se for aceite?
A lei já esteve em debate na Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu em junho. Nessa altura, o artigo 13 recebeu 15 votos a favor e 13 contra, e o artigo 11 foi aceite com 12 votos contra 11 desfavoráveis.
O assunto é votado no Parlamento Europeu esta quarta-feira e, a ser aceite, a lei só poderá começar a ser aplicada mais para o fim do ano, em toda a União Europeia. O Reino Unido será também abrangido pela lei, se a política for aplicada antes do Brexit, a acontecer a 29 de março de 2019.