Sobre o absurdo do caso em termos mediáticos e até políticos, Miguel Cadete escreveu o que havia a escrever. Quero passar à frente e entrar na substância moral e estética: faz sentido criar um “crescendo” na exposição, colocando no fim ou ao lado uma sala especial com fotos mais audazes? Faz. Faz sentido enquanto educação moral e sexual e enquanto educação artística.
Peguem por favor em duas premissas. Primeira: um dos meus pintores favoritos é Egon Schiele. Segunda: eu sou católico e pai de duas miúdas. Como é que articulo as duas premissas? Schiele retrata como ninguém a carnalidade feminina. É odiado em igual medida por beatas e por misóginos. Schiele também retrata territórios, digamos, proibidos. A pederastia muitas vezes assombra aqueles quadros. Perante isto, como é que eu posso levar as minhas filhas a uma exposição de Schiele? Devo levar? Devo, posso, quero, levarei um dia. Nesse sentido, espero que o museu em questão tenha a sensibilidade para fazer o tal “crescendo”, espero que o curador me ajude a educar moral e artisticamente as minhas filhas, isto é, espero que comece a exposição com os quadros mais suaves, espero que saiba criar a tensão ao longo do corredor, espero que termine com a tal sala ou salas dos quadros mais explosivos. E, sim, alguns dos quadros até podem ser retirados, alguns devem ser só para adultos.
É a lógica da bolinha vermelha dos filmes. Este interdito é fundamental quer na educação moral para o erotismo do Cântico dos Cânticos quer na educação artística. Não há arte sem tabus. Não há erotismo sem tabus. Se nada é tabu, se não há riscos na areia, então a força motriz da arte e do erotismo desaparece, fica apenas a liberdade total da selva. Querem ser cem por cento livres? Têm bom remédio: regressem ao estado da natureza.
Os jovens precisam de saber que existem terrenos proibidos. Não, não se trata de reprimir a imaginação. Pelo contrário: ler livros proibidos é em si mesmo a melhor ferramenta para estimular a leitura, por exemplo. Cá em casa, vamos arrumar os romances e a poesia por idades e por alturas. Por alturas? Sim: os romances que podem ser lidos por uma menina de dez anos ficam nas prateleiras mais baixas; as prateleiras mais altas terão os romances e a poesia que necessitam de outra maturidade. Mas, às tantas, elas não podem simplesmente tirar e ler os livros proibidos às escondidas? Espero que o façam.
Serralves e todos os museus do mundo que mostram a obra de Mapplethorpe seguem a lógica da prateleira. Qual é o escândalo? Muitos dizem que isto não faz sentido porque hoje em dia os miúdos já vêem tudo net. Este é o argumento mais idiota, porque é uma rendição à amoralidade da internet. O padrão estético e moral da net é a selva. Ora, de uma instituição como Serralves espera-se um olhar civilizado que nos eleve acima da selva, um olhar que eduque, que civilize, que ensine, um olhar que caminhe num “crescendo”. Entrar em Serralves ou na Gulbenkian não é o mesmo que entrar na selva da net.