Leia também:
Foi em plena pandemia que a Sofia decidiu nascer.
Em 2013 mudei-me para a Austrália, onde conheci a minha mulher. Durante a jornada das nossas vidas decidimos atravessar o continente e ir viver para Sydney. Foram quatro anos inesquecíveis em Perth, mas estava na altura de mudar. Vindos de países diferentes, eu português e a Romina Argentina, desde cedo nos habituámos juntos a enfrentar os desafios de viver longe, e este, apesar de importante, foi mais um.
Em abril de 2020, nasceu a Sofia. Foi o dia mais feliz das nossas vidas. Tudo o que tinha sido planeado para este momento saiu ao lado. As famílias não puderam viajar para estar presentes, a incerteza à volta da pandemia quis por força intranquilizar-nos e o famoso sushi do pós-parto não pôde ser entregue. O isolamento no quarto de hospital foi obrigatório durante os cinco dias, mesmo uma escapadinha à cafetaria estava fora de questão.
A Austrália, hoje com aproximadamente 23 milhões de habitantes, tem 4.224 casos ativos, 8353 recuperados e 128 mortes. Das grandes economias mundiais é o país que melhores dados apresenta.
A resposta ao vírus tardou um pouco a aparecer, aliás como em praticamente todo o mundo. O governo liberal não quis ter uma posição alarmista à partida, de forma a salvaguardar a economia e o rendimento das famílias. Afinal, o número de casos estava bem abaixo da maioria dos outros países. Não tardou muito até medidas mais drásticas terem sido postas em prática, medidas essas que foram suavizadas gradualmente até novo surto aparecer recentemente em Melbourne no estado de Vitória.
As medidas de combate e proteção ao vírus estão praticamente alinhadas com o que se tem assistido na maioria dos outros países, incluindo Portugal. No entanto, em certas áreas as coisas são geridas de forma diferente. Destacaria o uso não obrigatório da máscara (só agora obrigatório em Vitória), adesão significativa à utilização não obrigatória da App para rastreio, o enorme número de testes praticado (205 mil por milhão de habitantes só em Vitória) e as fronteiras totalmente fechadas ao exterior com quarentena obrigatória para entradas muito excecionais. Quando irá a Sofia abraçar finalmente a sua família alargada?
A Austrália tem mostrado mais uma vez ser um país bem preparado e organizado. Tem um sistema de saúde avançado e de resposta rápida sem perigo de rutura. Os mecanismos de apoio social e económico foram prontamente ativados, com milhares de milhões de dólares entregues às famílias e empresas a fundo perdido. Apesar de tudo, a crise está a sentir-se e vai sentir-se com o maior deficit esperado desde a Segunda Guerra Mundial.
O turismo e a educação são duas das principais fontes de rendimento, agora altamente afetados pelo encerramento das fronteiras e medidas restritivas no comércio e restauração.
Desde 2019 que a Austrália e a nossa segunda pátria. Orgulhamo-nos de fazer parte deste país que tanto nos tem proporcionado pessoal e profissionalmente. Parece não querer falhar mesmo nas alturas mais difíceis. Como se não bastasse, a acrescer à pandemia, o país sofreu este ano os mais devastadores incêndios desde que há registo. Os impactos catastróficos na sociedade e economia fizeram-se sentir, mas, no entanto, a sociedade civil não tardou a mobilizar se, e um só cidadão conseguiu angariar 50 milhões de dólares para ajudar os mais afetados.
Apesar de tudo nunca nos sentimos desamparados e o nascimento da nossa querida Sofia pôde ser vivido com toda a alegria e estabilidade. Sentimos também que o país, mesmo nos momentos mais difíceis, está preparado para responder ao mais alto nível.
Não me parece demais relembrar que a Austrália moderna foi construída tendo por base uma política imigratória estratégica e clara. Os imigrantes foram parte fundamental na construção e consequente prosperidade deste continente. Estando a Europa a viver os desafios demográficos que se conhecem, parece-me oportuno que Portugal pense profundamente no papel que deseja da imigração como fator fundamental para o seu desenvolvimento no futuro, tão amplamente discutido nos últimos dias. Fica aqui o desafio para um país que provou saber conviver bem com a diversidade e multiculturalidade ao longo da sua história.
*Salvador Patrício tem 36 anos, é casado com Romina, de 35 anos, arquiteta e têm uma filha. Vive na Austrália desde 2013, primeiro em Perth e agora em Sydney, onde trabalha como gestor de projetos no Commonwealth Bank of Australia.