Football Leaks. "Há tensão entre a verdade e a forma de aceder a ela”, diz Rogério Alves
28-04-2023 - 06:30
 • Liliana Monteiro

Antigo bastonário da Ordem dos Advogados diz que há "tensão entre a verdade e a forma de aceder a ela”, quando se está perante "a descoberta de condutas com interesse público e com relevância criminal que colocam a nu factos que a policia desconhecia”.

Football Leaks trouxe reflexão sobre “coexistência nem sempre pacifica entre descoberta da verdade e os modos lícitos de descobrir a verdade”.

Football Leaks “não podemos cair na tentação de transformar cada cidadão num polícia que se atribui a si próprio poderes de investigação”

Quase quatro anos depois da acusação, o caso Football Leaks conhece esta sexta-feira o desfecho com a leitura do acórdão, a partir das 10h00, no Campus de Justiça, em Lisboa, de um caso que levantou reflexões na sociedade e na justiça portuguesa.

Rogério Alves, antigo bastonário da Ordem dos Advogados, considera que o caso trouxe a inevitável reflexão sobre a “coexistência nem sempre pacifica entre descoberta da verdade e os modos lícitos de descobrir a verdade”.

“Não estamos perante um denunciante, porque isso é alguém que, estando a trabalhar numa entidade, denuncia factos ocorridos nessa mesma entidade, tendo conhecimento de factos no desenvolvimento da atividade. Aqui é uma intrusão no correio eletrónico de terceiros por alguém sem legitimidade que por isso comete crimes”, nota Alves.

O advogado considera ter ficado evidente “a tensão entre a verdade e a forma de aceder a ela”, quando se está perante "a descoberta de condutas com interesse público e com relevância criminal que colocam a nu factos que a policia desconhecia”.

No entanto, Rogério Alves defende que não se pode "cair na tentação, e seria antidemocrático, de transformar cada cidadão num polícia que se atribui a si próprio poderes de investigação, devassa de informação e isso seria intolerável”.

Rogério Alves considera que há margem de progressão da lei portuguesa relativamente a denunciantes e testemunhas. “Não antipatizo, concordo, até, com a ideia de dar ao denunciante contrapartidas penais, como a isenção e redução da pena quando denuncia crimes graves. As testemunhas essenciais devem também ser protegidas pela denúncia de casos graves, mas não podemos destruir o ADN do Estado de Direito que tem regras bem definidas sobre como se acede, e quem acede, à verdade”

"O Estado combate o crime, mas não com formas ilegais, e como os criminosos que pretende combater pensando que os fins justificam os meios."

Ministério Público quer cadeia

Nas alegações finais, no inicio deste ano, a procuradora do Ministério Público pediu a condenação a pena de prisão dos dois arguidos: Rui Pinto (por 89 dos 90 crimes de que está acusado) e do advogado Aníbal Pinto (pelo crime de extorsão na forma tentada).

A procuradora Marta Viegas considerou que o único crime apontado a Rui Pinto que não ficou provado em julgamento foi o de sabotagem informática à SAD do Sporting.

Nas alegações, o arguido Rui Pinto, o criador da plataforma eletrónica Football Leaks, admitiu que violou a lei, mas reiterou o arrependimento, valorizando a aprendizagem dos últimos anos, dizendo “tive comportamentos errados que violam a lei, claramente, nada justifica violar caixas de correio”.

Já Aníbal Pinto que também decidiu falar no final do julgamento afirmou: "Ao longo de mais de 60 anos de vida nunca cometi qualquer crime. Em prol da minha defesa, gostava que ficasse claro que em nenhum momento o meu comportamento foi criminalmente reprovável".

Acusação remonta a 2019

Foi em setembro de 2019 que Rui Pinto foi acusado pelo Ministério Público de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, sete deles agravados, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol e da Procuradoria-Geral da República, e posterior divulgação de dezenas de documentos confidenciais destas entidades.

Mas o processo conta também com Aníbal Pinto como arguido, acusado de extorsão na forma tentada, ele que era advogado de Rui Pinto.

Rui Pinto chegou a estar mais de um ano em prisão preventiva, encontra-se em liberdade desde 7 de agosto de 2020, na sequência da colaboração com a Polícia Judiciária tendo sido inserido num programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.

As fortes suspeitas de crime e a necessidade de julgamento levaram a juíza de instrução Claúdia Pina a levar o caso para tribunal no início de 2020, o julgamento começou em setembro desse ano e conhece hoje a decisão final do coletivo liderado pela juíza Margarida Alves.