1. O evento.
A campanha que conduziu os britânicos à decisão de abandonar a União Europeia precisará de ser estudada em detalhe, quando houver maior distanciamento histórico, mas é, desde já, possível perceber que foi marcada em simultâneo por uma muito agressiva estratégia de desinformação e pelo posicionamento pouco empenhado dos dois principais partidos. Por razões diferentes, parte substancial do Partido Conservador e a quase totalidade do Partido Trabalhista não conseguiram (ou não souberam) tornar claras as vantagens da presença do Reino Unidos na UE e deixaram-se enredar na linha de ação dos apoiantes do ‘Exit’. O Brexit é, por isso, um exemplo claro do que acontece à vida política de uma democracia sólida quando os políticos parecem não querer discutir com seriedade as questões relevantes para as comunidades que servem; as questões são discutidas na mesma, mas por atores "pouco comuns" e em contextos menos apropriados.
2. A negociação.
Posta perante a situação de ter que negociar uma ação com a qual não concordava, Theresa May tentou o impossível - conciliar os interesses de uns e de outros num país rasgado ao meio por um discurso cheio de hipérboles frente a uma equipa negocial europeia disposta a não ceder em nenhum aspecto relevante (sob pena de sinalizar a outros países que é possível entrar e sair da UE com facilidade). O que aconteceu nos últimos dias mostra-nos que a chefe de governo britânico não teve sucesso. No fundo, nos próximos dois anos, o Reino Unido ainda ficará vinculado a muitas obrigações europeias, sendo que deixa de ter qualquer poder de influência. É, se quisermos usar uma imagem que remete para o Desporto, como se alguém que decide abandonar uma partida que está empatada a meio opte, afinal, por ficar, mas com um resultado desfavorável de 0-3.
3. O choque.
A ideia principal da historiografia britânica - tal qual é ensinada aos mais novos - é ainda a de uma "Grã-Bretanha", a de uma nação que se fez Império e que, depois disso, encontrou formas de se manter muito relevante no planeta. Nesse enquadramento, a vitória dos Aliados sobre as nações do Eixo depois da II Guerra Mundial apresenta-se como uma confirmação desse mesmo estatuto - a presença de Churchill nas negociações de Yalta (a mitologia em torno da sua relação de poder com Estaline e com Eisenhower), a atribuição de um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e a "relação especial" com Washington que, durante a chamada Guerra Fria, permitiu a modernização militar. A Guerra das Falklands é mais uma peça desse puzzle identitário de grandeza sem medida. Acontece que esta auto-imagem, com cores exageradas, foi-se sedimentando ao mesmo tempo que, ali ao lado, outras nações europeias viam o seu destino cada vez mais ligado a uma nova estrutura supra-nacional. O Reino Unido associou-se ao projeto, é verdade, mas nunca se associou verdadeiramente à ideia imaginada, porque o seu "destino" era outro, naturalmente maior.
O que o Brexit faz, de forma quase cruel, é confrontar os britânicos com o seu próprio desfasamento relativamente à realidade - há muito que deixaram de ser Império e o final da Guerra Fria ditou também o fim da sua relevância para os Estados Unidos. A indiferença com que a maioria dos europeus vai acompanhando este assunto é de tudo isto prova mais do que evidente.
4. O futuro.
Uma União Europeia sem Reino Unido será, certamente, uma estrutura ancorada no eixo franco-alemão e talvez mais preocupada com questões políticas do que económico financeiras (a pressão dos nacionalismos na Europa Central, a necessidade de encontrar mecanismos de viabilização das economias do Sul, etc.). Um Reino Unido sem UE será um espaço propício para novas divisões (sobretudo a partição da Escócia e a "natural" integração da Irlanda do Norte na República da Irlanda) e um espaço em busca de recentramento histórico-político.