A decisão dos reguladores nacionais de suspender a administração de vacinas, ainda que apenas a certos grupos etários, carece de fundamento e revela o problema de haver decisões políticas sobre questões sanitárias em tempo de pandemia, considera Hélder Mota Filipe.
O regulador norte-americano do medicamento decidiu suspender a vacinação com a Johnson & Johnson depois de ter detetado a formação de coágulos sanguíneos em seis pessoas a quem foi administrada.
As consequências para a Europa, incluindo Portugal, onde se esperava, já nos próximos dias, o início da vacinação com a Johnson & Johnson, não se fizeram esperar. A farmacêutica Janssen decidiu esta tarde adiar a distribuição da sua vacina na Europa e a Agência Europeia do Medicamento fez saber que também está a analisar o assunto.
A vacina era aguardada em Portugal já na quarta-feira e o vice-almirante Gouveia e Melo sublinha apenas que aguarda por informações, quer da Janssen quer da Agencia Europeia do Medicamento.
Depois do que aconteceu com a AstraZeneca, Hélder Mota Filipe diz-se apreensivo.
Sem falar na sua qualidade de perito da Agência Europeia do Medicamento mas como professor da Faculdade de Farmácia, o antigo presidente do INFARMED diz à Renascença que a Janssen está a tentar evitar uma polémica como a da Astrazeneca.
“Fiquei apreensivo, porque o que se passa com a vacina da Janssen não pode ser retirada do contexto das vacinas e, portanto, o que a Janssen fez, na minha opinião, foi evitar aquilo que aconteceu para a AstraZeneca, que é introduzir a vacina e a seguir ter que provavelmente a retirar até estarem clarificadas as ligações entre estes coágulos e a vacina e a relação de causalidade. Portanto aquilo que a Janssen fez, da parte dela, foi, até que esteja tudo esclarecido por parte das autoridades, não a introduziu no mercado europeu.”
O professor não poupa críticas à forma como estes processos têm sido levados a cabo. “Não falando como perito da Agência Europeia, eu sou crítico relativamente a como este processo tem sido desenvolvido. Eu penso que a Agência Europeia está a fazer o que lhe compete, que é fazer uma análise puramente com base científica e com os dados que vai obtendo relativamente ao benefício risco.”
“Porque atenção, as vacinas não foram suspensas pela decisão da Agência Europeia, as vacinas foram suspensas por decisão dos diferentes estados. Cada vez que entra um medicamento no mercado, e não é só estas vacinas, a Agência Europeia avalia continuamente a segurança desse novo medicamento. E foi isso que fez com as diferentes vacinas, também com a vacina da Janssen. Aquilo que aconteceu e que pode pôr em cheque a confiança das pessoas na Agência Europeia foi que os políticos dos estados membros decidiram suspender a vacina.”
Hélder Mota Filipe lamenta a ingerência da política na questão. “Um aspeto que gostava de sublinhar é que estas decisões muitas vezes não são baseadas na ciência, há muito poucos casos de reações adversas e estamos num momento de pandemia. Portanto o benefício, como diz a Agência Europeia, da utilização destes medicamentos novos, como são estas vacinas, continua largamente a compensar o risco destas raríssimas reações adversas. Precisamos rapidamente de combater a pandemia, precisamos de usar todas as vacinas, todas as armas, e neste momento as armas são as vacinas que estão disponíveis e se a Agência Europeia e as agências regulamentares dizem que o benefício continua a compensar o risco, eu penso que devemos, tal como nos outros medicamentos, confiar na avaliação das agências e continuar a utilizar estes medicamentos.”
Certo é que com mais este obstáculo o processo de vacinação em Portugal vai sofrer atrasos. “Sim, e cada vez que se suspende as vacinas, sabendo que o número de reações adversas é muito raro, temos de ponderar se vale a pena suspender, uma vez que por outro lado continuam a infetar-se pessoas e a morrer pessoas com Covid-19”, conclui o especialista.