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Do que ouviu de Rui Rio no congresso, acha que vamos ter um PSD mais ao centro?
Do que ouvi de Rui Rio, reconheci uma espécie de regresso à normalidade democrática. Ou seja, a disponibilidade do maior partido da oposição para participar nos grandes debates que interessam à organização do Estado, ao futuro do país. A disponibilidade que depois reiterou na conversa com o primeiro-ministro, nos termos em que ambos se referiram, significa também que os grandes temas que o Governo colocou à discussão no país, a descentralização e programação do próximo quadro comunitário, são temas que o dr Rui Rio reconheceu como prioritários para a discussão. Isso é bem-vindo.
Essa relação cordial com o PSD não pode estragar a relação com a esquerda?
Não vejo como. O normal é que estes temas que interessam à forma como o Estado se organiza, à forma como o país se prepara para um período mais longo do que a legislatura tenha que ser discutido com todos os lados do espectro partidário. Isso não invalida que, na definição das soluções governativas, cada partido tenha os seus objetivos, os seus programas e as suas alianças preferenciais.
O Governo tem os seus parceiros que apoiam a execução do programa de Governo, esta solução tem trazido estabilidade política ao país, julgo que a maioria do eleitorado está satisfeita com a solução, não há razão para a pôr em causa. Dito isto, a convergência na discussão sobre temas de fundo é absolutamente natural.
Nós, quando vivemos num edifício de apartamentos, temos reuniões de condomínio. Temos reuniões onde discutimos as obras que vamos fazer nas partes comuns, as alterações ao regulamento - isso interessa a todos, não se deve deixar ninguém de fora. Isso não quer dizer que vamos morar para a casa uns dos outros. E julgo que aqui estamos a retomar uma tradição saudável, as medidas com horizonte para além de uma legislatura devem ser discutidas num espaço mais alargado possível.
Vê que seja possível um entendimento entre partidos tão diferentes como PS, PSD, BE e PCP? E o CDS, já agora.
E o CDS, também. E os Verdes. Por exemplo na descentralização? Tem que haver um processo de discussão.
E houve com o PSD, sobre descentralização...
Não teve grande avanço. Uma questão como a organização do nível de decisão público tem que interessar a todos os partidos. Cada partido tem a sua perspetiva, mas o processo de discussão tem que ser abrangente. E é desejável que um partido com a implantação autárquica do PSD tenha uma palavra importante a dizer nisto.
Para já, Rui Rio aceitou os temas que o Governo tinha sobre a mesa. E o Governo aceita debater os temas propostos pelo PSD? Segurança Social e Justiça?
O dr Rui Rio, ele próprio, disse que não tem neste momento propostas a apresentar ao Governo. E, portanto, a única coisa que qualquer partido responsável e qualquer Governo tem que fazer é, na medida em que essas propostas venham a ser conhecidas, dispor-se para as analisar.
Mas é mais fácil discutir a Justiça ou um tema como a Segurança Social?
Qualquer partido de Governo tem que estar disponível para discutir qualquer questão que interesse ao destino coletivo. Tem que equacionar estas questões não apenas como uma coisa do momento, mas do nosso futuro.
Reviu-se no diagnóstico que Rui Rio traçou sobre a sustentabilidade da Segurança Social? De esta estar em risco no médio prazo?
Rui Rio enunciou isso como uma preocupação. A esse respeito, duas coisas. A primeira é que esse foi uma preocupação do Governo, no programa está a [questão] da sustentabilidade, em medidas como a diversificação das fontes de financiamento.
Com receitas pequenas.
É um caminho que tem que ser feito com o crescimento da economia, que tem contribuído para o equilíbrio da Segurança Social. Mas, de facto, a longo prazo, é um caminho que tem que ser continuado com a diversificação de fontes de financiamento - que já se iniciou, mas tem que continuar a ser trilhado. E há discussões a esse respeito. Nós temos medidas já propostas. E aguardamos as medidas que o PSD possa vir a apresentar.
Rui Rio fez aqui na Renascença e PÚBLICO uma proposta de as pensões serem atualizadas face ao desempenho da economia. Isso é possível? Essa proposta pode ser avaliada?
Eu não posso antecipar isso. Eu ouvi essa entrevista. Mas agora ele não retomou essas propostas e, pelo contrário, reservou-se a necessidade de fazer a consideração daquilo que possa vir a propor. Também é verdade que o Governo já disse que não é adequado qualquer solução passar pela redução de pensões em pagamento, como chegou a ser equacionado pelo Governo anterior - e o dr Rui Rio também afirmou que era uma solução que propunha para futuro. Em todo o caso, a ideia de adaptar as pensões a um comportamento da economia pode ter consequências indesejáveis do ponto de vista de gestão do ciclo económico. Reduzir pensões no momento que se entrou em crise pode agravar a própria crise. Não sei se percebi bem a proposta do dr Rui Rio, que é uma pessoa sensata, portanto gostava de ouvir as propostas mais concretas que ele venha a apresentar.
Relativamente ao sector da Justiça, o diagnóstico de Rui Rio parece-lhe correto?
Eu não sei qual é o diagnóstico exatamente.
Que é preciso mais transparência, responsabilização do MP e revisão do segredo de Justiça.
Mais uma vez: o dr Rui Rio disse ao primeiro-ministro que queria apresentar as suas propostas para o sistema de Justiça. O tempo é dele.
Não fixou um calendário?
Ele não ficou um calendário para isso, ele próprio não se quis comprometer com isso. Do ponto de vista da Justiça, na minha perspetiva, naquilo que me ocupo no Governo, a coisa mais significativa é o tema da justiça económica. Confesso que aí o trabalho que tem que continuar a ser feito é o da celeridade processual, na melhoria da recuperação dos créditos, da justiça tributária.
É mais fácil discutir alterações à legislação laboral com este PSD de Rui Rio do que com a esquerda parlamentar?
As propostas que o Governo pretende levar a cabo estão bem identificadas no seu programa: a revogação do regime de banco de horas individual, a questão da diferenciação da TSU para contratos a prazo...
Mas para essa medida vai precisar de apoio parlamentar. E PCP e BE já se mostrou bastante cético...
Depende do modelo. O Governo apresentará as suas propostas, veremos qual é a posição dos parceiros.
Mas se não tiver esse apoio, vira-se para o PSD?
Tenho pouco tempo de Governo, mas tenho já experiência de negociação com os parceiros. O empenho do Governo na avaliação das propostas que são feitas é sempre muito construtivo. Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas sobre a diferenciação que existe, do ponto de vista programático, entre os partidos. Mas testemunhei o empenho na procura de soluções, tendo em conta os objetivos que são comuns: combate à precariedade, qualidade do emprego. Não tenho razão para duvidar do empenho que porão...
António Costa recebeu Rui Rio esta semana. Já recebeu Catarina Martins e Jerónimo de Sousa?
O Governo mantém contactos reguladores com os partidos que têm apoiado esta solução de Governo.
Acha que é possível que possam existir acordos entre PS e PSD sem a assinatura do PCP e BE?
Ouça, volto à imagem do condomínio: os condóminos sentam-se para discutir o plano de obras nas partes comuns. Outra coisa são as soluções de Governo...
Uma coisa é a discussão, outra é o consenso a que se chega?
Exatamente.
Portanto, a discussão pode ser com todos, mas o consenso tem que envolver BE e PCP?
Volto a dizer: há temas que são de Estado e ultrapassam a legislatura. Aí, ambos os sectores da AR não podem demitir-se de participar nessa discussão. Outra coisa são temas do programa de Governo - e aí a discussão preferencial têm-se situado à esquerda.
Rui Rio diz que apoiará um Governo do PS se o PS vencer as legislativas sem maioria. O PS aceitará esse apoio?
Eu não sei. Não sou militante do PS e não sei se farei parte de um outro Governo. O que o PM disse é que esta solução governativa tem sido estável e não há razão nenhuma para inverter um caminho que tem estado a ser bem percorrido.