"Um em cada quatro peregrinos de Santiago de Compostela faz o Caminho Português"
03-10-2021 - 11:00
 • Maria João Costa

Vice-presidente da Junta da Galiza diz que os aeroportos portugueses são fundamentais como porta de entrada de peregrinos. Em entrevista à Renascença, Alfonso Rueda estima que Compostela possa receber meio milhão de peregrinos no Xacobeo 2021-2022

É a primeira vez na história que o Xacoebo, o ano Santo, é duplo. Devido à pandemia, alargaram-se as celebrações a 2022 e a expetativa é grande. Em entrevista à Renascença, o vice-presidente da Junta da Galiza, Alfonso Rueda, sublinha que Portugal e os seus aeroportos são uma importante porta de entrada de peregrinos estrangeiros.

Numa altura em que o Caminho Português regista um aumento de procura, Alfonso Rueda estima que Santiago de Compostela possa receber mais de meio milhão de peregrinos no Xacobeo.

Na apresentação do ano Xacobeo 2021-2022, em Lisboa, o político galego revela que está tudo preparado caso o Papa Francisco se desloque a Compostela, que celebra o ano santo em 2022, e reforça que a Junta está a trabalhar com o Governo português na certificação dos caminhos de Santigo.

O que representam os peregrinos portugueses para o caminho de Santiago?

Estão a aumentar, sobretudo no último mês e meio. E com os dias feriados em outubro certamente vai notar-se mais. Agora, representam seis por cento do total de peregrinos. Vinte por cento dos que estão a chegar a Santiago são peregrinos não espanhóis e desses seis por cento são portugueses. Certamente isto vai aumentar

Depois do ano de pandemia, que oportunidade representa para a Galiza este ano Xacobeo duplo?

É uma oportunidade para a Galiza. Já o estávamos a preparar há 11 anos, desde o último ano santo. A nossa previsão, em termos económicos, é que com o Xacobeo pode-se subir dois pontos o Produto Interno Bruto da Galiza. Provavelmente, em 2022 possamos superar essa previsão e tenhamos um impulso económico muito grande. Estamos a falar de que podem chegar à Galiza peregrinos, os que fazem no mínimo 100 quilómetros, mais de meio milhão. Depois, há muitos que vêm atraídos pelo caminho, que não fazem os 100 quilómetros, mas querem ir a Santiago e querem estar na Galiza no ano santo. É uma oportunidade enorme que temos.

E para a relação Portugal-Galiza que papel pode ter o Xacobeo?

Sabemos que os peregrinos internacionais são vinte por cento dos que estão a chegar. No ano de 2019, representavam quase sessenta por cento. Os operadores turísticos dizem que estão a ter muitas reservas, consultas e planificação para o próximo ano. Para ter uma ideia, em 2019 chegaram mais de 20 mil peregrinos da Coreia do Sul, chegaram 60 mil ou 70 mil brasileiros. Toda essa gente que vem de diferentes países também vai chegar em 2022 e muitos deles chegam através de Portugal, começando o caminho no Porto ou até mais a sul.

Qual a importância dos caminhos portugueses? O caminho a partir do Porto é o mais conhecido, mas há também quem parta mais a sul. É importante identificar e certificar estes caminhos?

Sim, é muito importante. Na Galiza, há dez caminhos reconhecidos oficialmente. Há muitos mais sítios que também gostariam de o ser, mas nisto temos de ser muito rigorosos. Nem todos os caminhos são caminhos de Santiago. Um caminho de Santiago é um caminho que vem desde a Idade Média. Era por ali que os peregrinos iam, tem um património que o justifica, tem as raízes históricas e, portanto, temos de ser rigorosos.

Creio que em Portugal, há que fazer o mesmo. Desde há centenas de anos que as pessoas vão de Portugal a caminhar a Santiago. Então, há que identificar muito bem quais eram esses caminhos, sinalizá-los muito bem, ser rigoroso no seu traçado. Não vale desviá-lo por razões turísticas, para que passe por uma povoação onde realmente não passava, para que passe à frente de um estabelecimento turístico onde realmente não passava. Tudo isso tem de ser acautelado, porque temos de manter a essência do caminho. Os peregrinos querem saber que estão num caminho autêntico e que não é algo inventado.

Nós queremos colaborar e já o estamos a fazer numa comissão de certificação com o Governo português para os assessorar que os caminhos marcados em Portugal tenham todo o rigor histórico. Também temos que procurar que a sinalização seja igual em todos os caminhos. Também pedimos ajuda às autoridades portugueses para garantir a qualidade nos alojamentos que estão nos caminhos.

No Porto, foi agora colocado um marco dos caminhos de Santiago de Compostela, junto à Sé do Porto. Poderá acontecer o mesmo em Lisboa, junto à Sé Catedral?

Sim, esses marcos são sempre oferecidos por nós. Nos lugares onde realmente há peregrinos, interessa-nos que haja uma referência do caminho. A Junta da Galiza está sempre aberta a fazê-lo. Efetivamente, colocamos há uns dias um diante da Sé do Porto, já os colocamos em muitos lugares do mundo e ficaríamos satisfeitos por também o fazer em Lisboa. É um símbolo. É um elemento reconhecível. Por isso, encantar-nos-ia vir aqui por esse marco onde nos indiquem, mas isso depende das autoridades de Lisboa.

Mas já fizeram esse contato com Carlos Moedas? Há um novo autarca em Lisboa, recém-eleito...

Não, ainda não porque foi recém-eleito, mas podemos fazê-lo. Gostaríamos muito. Depois desta apresentação do Xacobeo aqui em Lisboa, gostávamos de voltar e reunir com os novos responsáveis eleitos e ter uma relação próxima. Quando maior o caminho, melhor. Interessam-nos os peregrinos que fazem longos percursos, que vêm de muito longe porque esses são os que vão fazer o caminho muitas vezes. Penso que a rota Porto-Santiago já está muito consolidada, por isso era interessante vir mais para sul e que Lisboa também fosse uma porta de entrada para o Xacobeo.

Lisboa é porta de entrada de muitos peregrinos estrangeiros, como disse. Esta rota, dos caminhos portugueses não é só feita por cidadãos portugueses. Até que ponto era realidade interessa para a Galiza?

Sobretudo, os peregrinos que vêm de mais longe, da América e da Ásia, muitos chegam à Europa via Portugal e, depois, vão até ao sítio onde querem começar o caminho. Por isso, interessa-nos muito. Temos estudos que revelam que os que vêm pela primeira vez, começam por conhecer Portugal e a Galiza como peregrinos, mas depois querem voltar. Querem ver com mais calma, vir com mais gente. Então, os aeroportos portugueses são como porta de entrada para o Xacobeo, para nós são fundamentais. Para muita gente, estão mais perto do que o de Sevilha ou Madrid. O aeroporto de Lisboa nas ligações internacionais com o Brasil, por exemplo, é um caso, mas também com a Ásia ou para os peregrinos de África. Isso interessa-nos muito.

Quanto à visita do Papa Francisco a Santiago de Compostela, o convite já foi feito pelo Presidente da Junta da Galiza e, numa entrevista recente, Francisco admitiu que poderia ir a Santiago. Que expetativas têm?

A visita do Papa é fundamental. O presidente da Junta da Galiza, Alberto Núñez Feijóo, foi recebido pelo Papa em audiência privada há uns meses. O objetivo da visita era convidá-lo a ir a Santiago. Como nós dizemos, na linguagem “vaticana”, não lhe disse que não. Às vezes não dizer que não, pode querer dizer que sim. Além diss,o já lhe perguntaram numa entrevista e disse que, se fosse a Espanha, iria só à Galiza, nada mais. Nós aguardamos que sim, seria um complemento perfeito do Xacobeo 2022. Supomos que poderá vir em meados do ano. Seria fantástico. A última vez que houve uma visita do anterior Papa foi no ano 2010 e o seu antecessor também tinha ido noutro Xacobeo. Portanto, se vier, nós estaríamos bem preparados e seria o complemento perfeito. Mas depende do Papa, não depende de nós. Nós só temos é que estar preparados, caso venha.

De que forma a pandemia e as medidas de segurança ainda condicionam a vivência do ano Xacobeo?

É verdade que as medidas foram uma dificuldade. No princípio deste ano santo, não havia peregrinos. Tivemos, em fevereiro, dezasseis peregrinos, nada mais. Agora, vamos fechar este mês de setembro com cerca de 40 mil. Isso quer dizer que, mal foi possível as pessoas caminharem e deslocarem-se no território, os peregrinos começaram a ir. Nos meses de verão, ainda houve dificuldades porque, por exemplo, os albergues públicos estavam a cinquenta por cento da sua capacidade e havia dificuldades para dormir. A oferta privada é que complementava. Agora, tudo isso com o tempo vai resolvendo-se. Há ainda algumas restrições, mas até que desapareçam completamente isso vai provocar que venham muitos viajantes internacionais.

Na Galiza criamos um seguro para os viajantes, peregrinos ou não. Se ficassem infetados e tivessem que cumprir quarentena, a Junta da Galiza encarregava-se de tudo, da estadia e dos custos. Isso vamos manter ainda no próximo ano. A verdade é que o pusemos em prática muito poucas vezes. Entre 150 mil peregrinos, só foi necessário em vinte ocasiões e funcionou muito bem. Isso também dá uma garantia de segurança e tranquilidade para trazer os turistas de volta à Galiza.