A Web Summit está a tornar-se um evento cada vez mais político. Em entrevista à Renascença, Paddy Cosgrave, co-fundador da conferência, explica que quer aproveitar o momento para colocar os líderes mundiais a discutir sobre como a tecnologia está a mudar a forma como vivemos.
A partir de segunda-feira, em Lisboa, os líderes dos 20 grupos de reflexão mais influentes do mundo, académicos, vencedores de prémios Nobel e muitos políticos – como Al Gore (ex-vice Presidente dos EUA), François Hollande (ex-Presidente da França) ou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres – vão debater a forma como vamos gerir as nossas sociedades no futuro.
O que podemos encontrar de diferente na edição deste ano da Web Summit?
Este ano vamos estar mais focados em questões como a inteligência artificial, a robótica ou os carros autónomos. Temos alguns dos maiores fabricantes mundiais de carros, incluindo os que estão mais à frente na produção de carros autónomos ou sem condutores, como a Mercedes, a BMW, a Volkswagen, Toyota, entre outras.
Outra questão que vai estar em foco são as criptomoedas, desde a “bitcoin” a uma coisa chamada “initial coin offerings” [angariação não regulada de fundos com o objectivo de criar uma nova moeda, semelhante a uma oferta pública de venda, em que o valor investido será convertido na nova moeda].
A tecnologia continua a avançar rapidamente e nós vamos acompanhando ao ritmo das últimas tendências.
As implicações éticas dos usos da tecnologia começam a ser muito discutidas, em especial no contexto do exemplo que referiu dos carros sem condutor. A Web Summit pode servir de plataforma de discussão sobre a forma como as pessoas lidam e recebem a tecnologia na vida quotidiana?
Vivemos num momento histórico: o mundo nunca mudou tão depressa como agora e penso que isso levanta grande preocupação. Porque o tipo de políticas e as filosofias que mantiveram as nossas sociedades interligadas, por mais de 200 anos, no período moderno, estão cada vez mais tensas. Estão sob stress.
A forma como organizamos as cidades, a legislação sobre os transportes, habitação, educação e também os sistemas fiscais e tributários estão a ser postos em causa pelas novas empresas de tecnologia.
Isto significa que os políticos e os pensadores precisam de unir esforços. Historicamente, a Web Summit tem sido o palco das empresas de tecnologia. A grande mudança deste ano é a presença de políticos. E também temos os líderes dos 20 “think tanks” [grupos de reflexão] mais influentes do mundo, académicos, vencedores dos prémios Nobel, que vêm para debater e discutir abertamente a forma como vamos gerir as nossas sociedades no futuro – vai ser diferente do que fazemos hoje.
A Web Summit está a tornar-se num evento mais político. Quer afirmar-se como um palco privilegiado de debate sobre o impacto social da tecnologia?
Sem dúvida. Porque que o impacto social da tecnologia é enorme e muito profundo. A tecnologia costumava ser uma caixa cinzenta e muito feia, que estava pousada a um canto de uma secretária, durante os anos 80 e 90.
A internet praticamente não existia, não era algo que moldasse as nossas vidas. Agora, as nossas crianças vão a pé para a escola sem olhar para o caminho, só olham para os telefones. Estamos também a ver cada vez mais sinais de adição às redes sociais com consequências muito negativas, especialmente para as gerações mais novas.
Os jovens nunca se sentiram tão sós e isolados, apesar de nunca terem estado tão ligados como hoje em dia. O problema é que estão ligados na internet e não no mundo real. Enquanto sociedade global, em que tipos de políticas é que deveríamos estar a pensar para proteger as nossas crianças, na era de todas estas novas tecnologias? Nunca pensamos nisso antes, mas agora precisamos de pensar nisso.
Penso que nenhuma conferência de tecnologia que seja séria pode evitar ter este tipo de discussões, devido à sua importância. E estamos satisfeitos, porque o secretário-geral das Nações Unidas [António Guterres] e os secretários europeus para a Concorrência [Margrethe Vestager] e para a Inovação e Investigação [Carlos Moedas] participam este ano da conferência, pela primeira vez. É o testemunho e também uma forma de reconhecimento da importância destas questões.
Para já, veio para ficar alguns anos. Será que Lisboa se poderá tornar a casa permanente da Web Summit?
Esse é o sonho. Estamos a gostar muito de trabalhar com o actual Governo, têm sido absolutamente fantásticos. Portugal tem vindo a acumular sucessos e a Web Summit também. E temos esperança. Lisboa é uma cidade inacreditável e Portugal também.
Logo após à Web Summit, vou passar duas semanas no Algarve a surfar, com o meu irmão. E mal posso esperar. Portugal é um país surpreendente. E o espírito... Vive-se um momento muito especial. E gostava que, no futuro, a Web Summit ficasse por aqui. Sem fim à vista.
Vai mudar-se para Lisboa?
Estou cá muitas vezes. Tecnicamente, estou entre dois países: vivo em Dublin, onde está a minha mulher, onde trabalha e também onde está o meu filho. Mas passo cada vez mais tempo aqui. Na verdade, sinto que vivo entre dois países.
Portugal tem atravessado um momento difícil, devido aos incêndios. Para além do impacto na economia, a Web Summit tem a ambição de contribuir para o país de alguma outra forma? Com acções de mecenato, por exemplo.
Foi uma grande tragédia. Portugal ainda está num período de luto, mas os portugueses são muito resilientes. Vamos fazer algo para ajudar, mas, face ao que aconteceu, será uma contribuição extraordinariamente pequena. Queremos plantar cerca de 100 mil pinheiros depois da edição deste ano da Web Summit. Será no âmbito de um plano maior no qual estamos envolvidos e serão plantados em Portugal.
Já têm uma região definida?
É uma boa pergunta. Iremos dar conta dos locais e dos detalhes quando tomarmos todas as decisões relativas a esta iniciativa. Isso vai acontecer a seu tempo, depois da Web Summit.
Os incêndios têm afetado também outros países e regiões como Espanha ou a Califórnia e vão ser cada vez mais recorrentes devido às alterações climáticas. Para além desta medida específica para Portugal, vai usar o palco da Web Summit para incitar as empresas de tecnologia a dedicarem mais atenção a este tema?
Essa é uma questão muito importante. Este ano, pela primeira vez, temos uma cimeira dedicada ao planeta, dentro da Web Summit. Chama-se Planet Tech [qualquer coisa como Planeta e Tecnologia] e o foco vai ser as alterações climáticas.
O clima está em mudança, uma mudança que está a ser causada – inquestionavelmente – pelo aquecimento global, que, por sua vez, é causado pela ação humana. Precisamos de levar isto muito, muito a sério.
De que forma é que a tecnologia pode ajudar a mudar a perceção sobre esta questão?
A tecnologia pode ajudar a alterar a nossa dependência dos combustíveis fósseis que têm causado muitos danos ao planeta. Na Irlanda, assistimos à mais forte tempestade dos últimos 150 anos. E tinha começado a formar-se por cima dos Açores. Segundo li e ouvi, foi literalmente a primeira vez que uma tempestade como esta alguma vez se formou sobre o Atlântico Oriental e depois se abateu sobre a Irlanda do Norte, onde provocou a morte de algumas pessoas.
Por todo o mundo, têm aumentado os fenómenos climáticos extremos. É muito importante, e não apenas no contexto da Web Summit, mas também noutros eventos que se discuta estas questões. É preciso que sejam levados muito, muito a sério.
Vai lançar esse desafio às grandes empresas de tecnologia, para que se dediquem imediatamente a este problema?
Absolutamente. Vamos reforçar esse pedido de forma contínua ao longo da Web Summit. O último orador principal será Al Gore, ex-vice-Presidente dos EUA. Espero que a sua comunicação envie um sinal muito forte e claro em relação àquilo em que a Web Summit acredita. E que também sirva de alerta para todos os outros oradores e participantes.