Joaquim Miranda Sarmento é desde Fevereiro presidente do Conselho Estratégico Nacional (CEN), um órgão de aconselhamento programático do partido. Em entrevista ao Público/Renascença, emitida nesta quinta-feira a partir das 12h00, mostra-se ao lado do Governo na resposta ao novo coronavírus, pede apoios para as empresas e diz que agora é que Centeno tem de mostrar quanto vale a sua estratégia. O professor do ISEG teme que o PS queira “colonizar” o Banco de Portugal (BdP).
Como vê a reacção do Governo com o pacote anunciado para combater os impactos económicos da crise do coronavírus?
O impacto económico vai depender da evolução da epidemia e se vamos ou não ter uma pandemia. Aquilo que parece é que teremos um pico de crescimento de casos até meados do próximo mês e depois, expectavelmente, poderá controlar-se o crescimento de casos. Esperamos é que, de facto, haja algum impacto económico este ano. A economia portuguesa vai-se ressentir e crescer menos, sobretudo em sectores que têm sido muito dinâmicos como o turismo, os serviços e também nas exportações. As empresas portuguesas em alguns sectores vão precisar de apoios. Tudo o que seja feito pelo Governo e pelo sector financeiro de apoio de tesouraria, de medidas que permitam às empresas acomodar este choque externo será naturalmente bem-vindo.
Com a informação que temos hoje [terça-feira], um Governo PSD avançaria com medidas como o lay-off para as empresas?
É sempre difícil dizer isto. À data de hoje estamos a falar de uma epidemia que tem cerca de 50 casos mas que está a crescer de forma exponencial.
Se os partidos à esquerda, que são habitualmente críticos do lay-off, levassem a medida até ao Parlamento para ser apreciada, o PSD devia dar a mão ao Governo?
Teremos que avaliar a situação no dia em que isso acontecer, saber qual é a situação da evolução da epidemia, para saber se essa medida, que é difícil e controversa, faz sentido do ponto de vista económico, mas também do controlo da própria epidemia. Aquilo que for o interesse do país, seguramente o PSD apoiará. Isso não é necessariamente - eu sei que o PS muitas vezes confunde isso - o interesse do PS. É o interesse do país.
Em que é que o interesse do PS poderia não ser o interesse do país?
Tem havido um padrão, em questões que apesar de tudo não têm essa gravidade imediata, como o aeroporto ou como a lei das Parcerias Público-Privadas (PPP), em que o PS entende que a sua visão não pode ser contrariada. Obviamente que, tendo em conta a gravidade deste tema, sobretudo se tivermos o crescimento exponencial que é previsível e se chegarmos a ter uma situação próxima daquela que Itália tem, o PSD espera é que todos os partidos olhem para o interesse nacional e que coloquem as questões ideológicas de lado. O que esperamos é que, neste caso concreto de emergência e saúde pública, não haja um debate ideológico.
Num cenário de maior agravamento da situação, defende uma espécie de pacto de regime entre o PSD e o PS para responder a esta questão?
Não. Espero é que o Governo esteja a tomar as medidas necessárias para estancar o crescimento deste surto. Tudo que o Governo achar que deve ser feito, do ponto de vista técnico, para estancar o crescimento deste surto, deve fazê-lo. E naquilo que precisar do apoio do PSD, se for fundamentado do ponto de vista técnico, seguramente terá o apoio do PSD.
Não há uma desconfiança em relação à equipa da saúde que está a dominar estas questões?
À data de hoje [terça-feira] acho que a equipa da saúde está a fazer o possível para estancar o surto.
O Governo devia deixar cair algumas das medidas do Orçamento do Estado (OE) para reforçar o apoio às empresas?
Vamos ter um 2020 mais difícil, mesmo que o surto seja controlado na sua fase inicial. Alguns sectores, nomeadamente o turismo e serviços, vão ser bastante afectados. É preciso desenhar medidas de apoio, do ponto de vista de tesouraria, e acomodar a estratégia para depois recuperar. Se tivermos apenas uma desaceleração, significa que a economia, em vez de crescer 2%, cresce 1,5%. E como vamos recuperar esses sectores e a confiança sobretudo no turismo? Mesmo controlando a epidemia em Portugal, os outros países também têm efeito no turismo. Temos de desenhar uma estratégia de apoio às empresas e sobretudo nestes sectores e no exportador, para acomodar estes choques externos. Tudo o que seja feito nesse sentido seguramente terá o nosso apoio.
É uma má altura para Mário Centeno sair do Governo para o BdP?
O ministro das Finanças tomou posse em Outubro e, portanto, a minha primeira pergunta seria "porque é que, seis meses depois, o ministro das Finanças está a sair?" Se desejava sair, não compreendo porque é que tomou posse em Outubro. Agora também acho que, se o ministro das Finanças é, de facto, o Ronaldo, então agora é que a equipa precisa do Ronaldo. E há outro ponto importante: na área do PS, o primeiro-ministro não conseguirá encontrar um ministro das Finanças melhor do que Mário Centeno, senão já o tinha escolhido antes. Nesta fase crítica, seguramente precisamos que o dr. Centeno continue como ministro das Finanças, até para mostrar de facto a robustez que tanto apregoa nas contas públicas e na economia portuguesa.
Existe uma incompatibilidade na passagem de Mário Centeno para o BdP?
Se me perguntar se o académico Mário Centeno tem o perfil para ser governador do BdP, eu diria que sim. Agora não acho normal, mesmo que haja um período de dois ou três meses entre um lugar e outro, que o dr. Centeno seja governador - estou em crer que não o será - nomeado por um Governo do qual fez parte. Porque é que sai seis meses depois e, ainda por cima, num cenário em que a economia portuguesa vai desacelerar e a pressão sobre as contas públicas vai ser maior? Porque tem um lugar melhor?
Rui Rio defendeu que não havia incompatibilidade... Até apoiaria uma passagem…
Não. O que disse o dr. Rui Rio foi que o académico e economista Mário Centeno tem as qualidades e perfil para a ocupar o lugar do governador, como têm dezenas de economistas portugueses. Estou a pensar no Ricardo Reis, que está em Londres, e no João Pedro Santos, que está a Reserva Federal de Nova Iorque, entre outros. O dr. Rui Rio não disse que apoiava. Disse que estava disponível para conversar com o primeiro-ministro sobre a solução para o BdP, porque, recordemos, além do governador está em aberto um lugar de vice-governador e outro de administrador, visto que o dr. Hélder Rosalino terminou o mandato em Setembro. Vai o PS indicar três pessoas da sua área política e colonizar o BdP? Ou vai indicar académicos e pessoas independentes?
O PSD quer ser ouvido nesta matéria para estes três lugares?
O PSD entende que o ideal para o BdP seria a nomeação de independentes com currículo académico, mas não quer, sobretudo, uma colonização do BdP por parte do PS.
"Quando votamos com o PS, somos a muleta; quando votamos contra, somos a guerrilha”
Na primeira entrevista depois de ser escolhido por Rui Rio para presidir o órgão de aconselhamento programático do partido, o presidente do Conselho Estratégico Nacional, Joaquim Miranda Sarmento, justifica os sentidos de voto do partido no Parlamento e e explica que o partido se vai focar no desenho de uma estratégia para pôr o país a crescer pelo menos 2%.
Quais são as prioridades do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD?
O objectivo é trazer a sociedade civil para o PSD. Estamos a fazer alguma renovação das equipas temáticas. Estamos a fazer pequenas mudanças que tragam novidade e refreshment.
Antecipa-se uma visão mais financeira do PSD?
Antecipa-se um PSD com uma visão clara, e distinta da do PS, do que queremos da economia e da sociedade. Uma economia mais liberal, com menos impostos, mas também que tenha um Estado Social que proteja os mais desfavorecidos. O CEN procurará olhar para todas as áreas da governação, mas não há dúvida de que o principal problema do país é a falta de crescimento económico e essa falta resulta da baixa competitividade da economia. A preocupação central será como podemos pôr o país a crescer de forma sustentada e prolongada acima dos 2% ou até próximo dos 3%.
Correia de Campos não foi suficientemente independente no Conselho Económico e Social? Porque votaram contra?
Creio que sim, mas se eu percebi a votação, parece que alguns deputados do PS também não votaram a favor. Admito que haja alguma crispação entre os partidos e dificuldade em fazer passar nomes. Essa votação ocorreu ao mesmo tempo que a do dr. Vitalino Canas para o Tribunal Constitucional.
Nas Parcerias Público-Privadas (PPP), o PSD parece estar disposto a negociar com o Governo a questão de só se aplicar a exclusão das regiões autónomas e não a das autarquias. É essa a posição?
O que estamos disponíveis é a olhar para o decreto de 2012 e ver com o Governo o que faz sentido alterar que promova mais responsabilidade e maior qualidade nos projectos com PPP.
O PSD tem subido recentemente nas sondagens. A estratégia de guerrilha está a dar resultados e é para continuar?
Não sei o que é a estratégia de guerrilha. Nas últimas legislativas apresentámos um programa que, mal ou bem, foi diferenciado do do PS, sobretudo nos impostos. O que tem acontecido no Parlamento, mas acho que é natural, é que o primeiro-ministro já não tem a base de apoio que tinha. O PSD em cada matéria tem adoptado a votação que entende ser a melhor para o país.
E coincide com o BE e o PCP?
Numa ou noutra questão coincidirá. Não somos os donos absolutos da verdade. Do ponto de vista ideológico, há um mundo a separar-nos do BE, mas há questões pontuais em que, se o BE tem uma posição similar à nossa, não há razão nenhuma para não votarmos juntos. Também não vamos dizer que, só porque ideologicamente votamos separados, votamos contra tudo. Aquilo que tem sido feito no Parlamento é, em cada medida, avaliar o que é o interesse do país. Também já votámos várias propostas do PS. Quando votamos com o PS, somos a muleta; quando votamos contra, somos a guerrilha.
Deve haver um cordão sanitário em relação ao Chega?
Se o Chega, naquilo que são as suas posições públicas na defesa da pena de morte, da castração química e de defesa da prisão perpétua - que são linhas civilizadoras que nos definem -, achar que isso são as suas linhas vermelhas, também são para nós. Nesse aspecto é difícil um entendimento. Se o Chega moderar o seu discurso nesses pontos, teremos de ver no futuro o que acontece.
É impossível então?
Depende da linha condutora do Chega no futuro. Se for a de hoje, é impossível.