O inédito nascimento de um bebé por cesariana a uma mãe que se encontrava há 15 semanas em morte cerebral só foi possível pelo humanismo aliado à capacidade técnica e operacional das equipas.
“Duas equipas a trabalhar em locais geograficamente diferentes tiveram em total consonância, uniram-se, juntaram-se e foi da conjunção de esforços que realmente conseguimos” fazer o parto, afirmou esta quarta-feira o director clínico do Centro Hospitalar Lisboa Central.
Em declarações aos jornalistas, António Sousa Guerreiro destacou “a capacidade sobre o ponto de vista técnico e humanista destas duas equipas”, factores essenciais para se chegar a uma situação “que culminou, ontem, com o nascimento desta criança do sexo masculino”.
O bebé nasceu na terça-feira com 2,350 quilos, após uma gestação de 32 semanas, num procedimento sem complicações, quer durante e quer depois da intervenção cirúrgica. Ficou depois internado na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais do centro hospitalar, mas está bem de saúde.
Trata-se do período mais longo alguma vez registado em Portugal (15 semanas) de sobrevivência de um feto cuja mãe está em morte cerebral.
"Grande vitória da vida"
Na mesma conferência de imprensa, o presidente da comissão de ética do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), Gonçalo Cordeiro Ferreira, considerou este caso como "uma grande vitória da vida".
Os especialistas do CHLC entenderam levar adiante a gravidez da mulher de 37 anos em morte cerebral devido a uma hemorragia intracerebral. O feto não indicava na altura da morte materna ter sofrido com o que tirou a vida à mãe.
Este caso, um "facto inédito na Medicina portuguesa", foi vivido com emoção pelos profissionais que acompanharam a situação ao longo de três meses e meio.
"Ontem [terça-feira] houve uma carga emocional fortíssima. (...) Mesmo em profissionais que estão habituados, vimos nos seus rostos a emoção", afirmou a presidente do Conselho de Administração do CHLC, Ana Escoval.
Também o director clínico do hospital de São José, António Sousa Guerreiro, sublinhou que se trata de uma "história de contrastes": "Temos uma profunda tristeza com a morte de alguém e um momento de alegria com o nascimento de uma criança".
Susana Afonso, especialista dos neurocríticos, admitiu igualmente que "é impossível do ponto de vista emocional não ficar afectado" com esta história.
Apesar da componente emocional e afectiva do caso, os profissionais garantem que a base de todas as decisões foi racional. Primeiro decidiu-se a viabilidade do feto e considerou-se que havia condições para o processo poder avançar.
O apoio da família à decisão foi fundamental, acrescentou Sousa Guerreiro.
Bebé poderá ter alta daqui a três semanas
Relativamente ao nascimento do bebé, o director clínico lembrou que ainda se está "numa viagem (...) todo um percurso a percorrer com a maior otimização técnica".
"Os fármacos administrados foram aqueles que o organismo produz quando as funções vitais estão intactas", afirmou aos jornalistas Ana Campos, obstetra da Maternidade Alfredo da Costa - que pertence ao CHLC - e que acompanhou o caso.
O momento do nascimento, por cesariana programada, ocorreu quando foram atingidas as 32 semanas de gestação, uma idade gestacional em que a sobrevivência é muito elevada.
Segundo a neonatologista Teresa Tomé, além da idade gestacional permitir alguma segurança em termos de sobrevivência, os médicos quiseram preservar o recém-nascido de "uma incubadora artificial" da qual se desconhecem as consequências.
De acordo com a equipa de profissionais, o nascimento de um bebé com mãe em morte cerebral há 15 semanas é um facto inédito na medicina portuguesa, mas terão já havido outros casos a nível internacional.
Este bebé, o segundo filho da mulher de 37 anos declarada morta desde 20 de Fevereiro, vai ser acompanhado na neonatologia com as mesmas cautelas de outros prematuros, estando neste momento bem de saúde, mas a necessitar de incubadora e de suporte respiratório.
Prevê-se que possa sair dos cuidados intensivos dentro de três semanas, se estiver estável, como acontece com outros prematuros.
Quanto ao futuro da criança, os profissionais mostram-se optimistas mas não se comprometem com garantias quanto ao seu desenvolvimento.
[notícia actualizada às 15h13]