Deveríamos ser sábios e capazes de encomendar a resolução dos nossos mais difíceis problemas comuns à ciência dos poetas, ao seu infinito potencial para ridicularizar as limitações que devemos combater com lealdade, engrandecidos pela possibilidade de ver para além da objetividade e do cálculo. Todas estas coisas sábias se aprendiam na escola, à custa de palavras caras e narrativas intrincadas, significados estrambólicos e equações mirabolantes, riscos imensos e discussões infinitas.
Mas a escola, atravessada pelas grandes crises do sentido e do tempo, debilitou-se, tristemente, e está forçada ao imediatismo, sem nexo e sem prazer. É a crise dos “não-poetas”, da mecanização do ensino utilitarista, uma visão profética mais delirante do que a diáfana liberdade poética, crendo piamente que a escola serve para montar operários obedientes e silenciosos e para certificar a transmissão genética do favorecimento geracional dos privilegiados.
John Dewey, que amava a escola e lhe dedicou um Credo apaixonado, explicou que esses devaneios perigosos devem ser abandonados caso desejemos cumprir com a sua insubstituível função social: preparar as pessoas para valorizar e para viver em democracia, seres pensantes e imaginativos que apreciam as diferenças e aprendem a debater sem introduzir a desordem, para chegarem a consensos que promovem o desenvolvimento da sociedade e a correção das injustiças. A melhor escola, diz ele, é aquela que, servindo todos na mais elevada qualidade daquilo que foi produzido e conquistado por essa sociedade, seria a escolhida pelos pais mais sábios e melhor preparados. Só uma sociedade que promove o desenvolvimento de todos os seus membros pode ser verdadeira para consigo mesma, e reforça, realmente aberta ao futuro.
Vem isto a propósito da primeira entrevista de João Costa, Secretário de Estado que ascendeu agora a Ministro da Educação. Nesta, Costa parece escrever com os jornalistas do Expresso um relato amoroso sobre a escola, paciente e dedicado. No entanto, não transmite (ainda?) aquela confiança apaixonante de quem está disposto a comprometer-se de alma e coração. Já é um avanço, uma vez que, neste século, nenhum detentor desta crescentemente difícil pasta conseguiu assumir um amor prático à escola e, nalguns casos, caíram no erro terrível de prometer apreciá-la desde que (quase) não tivesse professores. Costa não parece enfermar dessa leviandade absolutamente nefasta e palerma e procura, mesmo, distanciar-se dela, mas parece que a realidade resolveu colaborar – o termo da excelência na gestão empresarial escolar – com os antecessores e, portanto, já quase não há professores. Costa quer chamá-los à escola, incluindo os que fugiram para outras partes, num desamor crescente e, agora, sentirão enorme e pesada dificuldade em entender o seu caminho.
De qualquer modo, é encantador perceber que o ministro talvez saiba que, nas zonas mais gentrificadas do país, os professores deslocados dormem no metro, quando o há, ou na viatura das longas viagens. Propõe, por isso, alterar os mecanismos de acesso e estabilização da profissão. Esta disponibilidade sensata não ofusca a incredulidade produzida pelo tremendo lapso, do ministério que integrou, quanto a monitorizar competentemente a situação que, aliás, se enraíza no consulado do “outro” governo socialista, lá para a primeira década deste século. Culpar a Troika também não nos consola, já que as políticas de educação dos últimos vinte anos tiveram uma dificuldade extrema em se distanciar dos erros estruturais cometidos pelos governos anteriores, dos quais, no caso, se destaca a extinção dos organismos de estudos e planeamento que serviam as equipas ministeriais, um desperdício colossal de know how & why, e com isso, demasiadas oportunidades se foram perdendo.
Costa também se refere, inusitadamente otimista, à problemática da formação de professores, iludindo a tripla debilitação das suas qualificações: fragilizada pelo ministério de Rodrigues, desgastada (como refere) pelas dificuldades de uma população escolar crescentemente diversa e, agora, pela incorporação de docentes sem preparação pedagógica quando está em curso uma flexibilização curricular que exige um saber e uma competência reflexiva de alto nível. A questão do absentismo docente também é crucial, mas simples, Sr. Ministro: não aguentam mais, já que também a verticalização das lideranças tornou os processos quotidianos de resolução mais difícil e a perda da colegialidade tradicional da escola esgotou a fonte de apoio adequado que eram a partilha dos problemas e das soluções, numa organização flat e amigável.
Quanto à avaliação dos alunos e das escolas, pouco lhe foi perguntado, e o que ficou foram uns apontamentos sobre a dispensabilidade dos exames de 12º ano e a necessidade de os manter no 9º, o que é bastante inusitado, mas deve trazer por aí uma nova teoria. Finalmente, pretendendo, como Dewey, combater as desigualdades e afastar o discurso da meritocracia, não foi questionado sobre as “famílias-clientes”, uma fonte de desgaste irracional das escolas e dos professores, promovidas pela culpabilização dos docentes através da rankização dos resultados e a avaliação pela comunicação social. Mas talvez leia com atenção o recomendável trabalho jornalístico de Isabel Leiria e Joana Pereira Bastos, também do Expresso, com uma bela ilustração de Gonçalo Viana.