O Tribunal de Contas alerta para o risco de incumprimento do Programa de Recuperação e de Resiliência (PRR). Os juízes dizem que as recentes mudanças à legislação, aprovadas pelo Parlamento e pelo Governo, agravam os riscos de fraude com os fundos europeus.
A entidade liderada por José Tavares destaca ainda a falta de recursos humanos nas estruturas do Estado que dão apoio na execução dos fundos de Bruxelas.
"Ainda que se trate de uma situação excecional, que, noutras circunstâncias, não poderia ocorrer, em alguns programas, a reprogramação dos fundos europeus em resposta à pandemia teve como efeito prático atenuar ou anular os efeitos penalizadores decorrentes do incumprimento dos objetivos intermédios", lê-se numa auditoria do TC ao programa Portugal 2020.
O incumprimento dos objetivos levou a uma penalização de 110,8 milhões de euros da reserva de desempenho do Fundo Social Europeu (FSE), 60,7 milhões de euros no Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e de 2,3 milhões de euros no Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP), realocação que ocorreu dentro de cada programa, evitando a perda de fundos em consequência da avaliação do desempenho.
Para dar resposta ao impacto da crise pandémica foram introduzidas medidas de flexibilizações ao nível do processamento dos fundos europeus, tendo em vista apoiar as empresas e os trabalhadores.
Entre estas flexibilizações destacam-se os pagamentos de incentivos "com a maior celeridade possível", prorrogação do prazo de reembolso de apoios, adiantamentos de pedidos de pagamento, sempre que ultrapassados os prazos de análise, elegibilidade de despesas com eventos ou ações não realizadas, prorrogações de prazos para apresentação de candidaturas e ainda a suspensão de notificações para recuperação de apoios.
Portugal 2020 com baixa execução e "mínimos" nas metas
O Tribunal de Contas concluiu que o programa Portugal 2020 (PT2020) registou, até ao final de 2020, baixas taxas de execução e que os respetivos programas atingiram "limiares mínimos" de cumprimento de metas, evitando penalizações.
"No período compreendido entre 2014 e 2020, o PT2020 registou sempre baixas taxas de execução, motivadas por fatores de natureza corrente", lê-se numa auditoria do TC hoje divulgada, que precisou que, em sete anos, foi concretizado perto de 60% dos cerca de 26.000 milhões de euros de financiamento europeu.
Neste sentido, o TC alertou para o risco de absorção de mais de 60.000 milhões de euros nos próximos anos, "dos quais uma boa parte (PRR - Plano de Recuperação e Resiliência) tem que ser executada num período inferior ao dos normais períodos de programação e engloba investimentos complexos", notando ser necessário "multiplicar exponencialmente" a capacidade de absorção do financiamento.
Conforme apontou, os baixos níveis de execução justificam-se com o "arranque tardio" dos programas operacionais, o que, por sua vez, se deve, nomeadamente, à respetiva aprovação tardia, complexidade e morosidade de designação das autoridades de gestão, atrasos na estabilização das competências a delegar e na negociação com os organismos intermédios e à "demorada definição" dos sistemas de informação.
A isto soma-se o facto do encerramento do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) ter sido operado pelos mesmos recursos humanos afetos às equipas de apoio às autoridades de gestão dos programas do PT2020.
Por outro lado, o TC identificou a falta de recursos humanos nas estruturas de apoio, a necessidade de aguardar por orientações centrais e de articular a "competência de atuação com entidades diversas", morosidade nos avisos de abertura de concursos, complexidade na articulação de componentes de financiamento de fundos diferentes, "falta de atratividade" de apoios e desinteresse dos beneficiários.
Recomendações ao ministro do Planeamento
O Tribunal de Contas recomendou ao ministro do Planeamento, Nelson de Souza, a adoção de medidas para mitigar as causas que impedem uma maior absorção dos fundos, a publicitação do calendário de avisos de abertura de concursos para que os beneficiários possam preparar as candidaturas atempadamente, a sensibilização das entidades para a necessidade de cumprimento dos requisitos procedimentais e uma melhor articulação entre os programas operacionais temáticos e regionais na definição dos critérios de seleção dos beneficiários.
Adicionalmente, recomendou que seja assegurada a "efetividade da contrapartida nacional dos investimentos cofinanciados pelos fundos europeus" e ainda a criação de condições para a implementação de um sistema de avaliação e gestão do desempenho dos fundos, "que contenha os estímulos necessários a uma adequada orientação para o resultado".
À Agência para o Desenvolvimento e Coesão, que assegura a coordenação dos fundos europeus, é sugerida a identificação das causas e riscos do desajustamento dos indicadores e das metas, a análise e resolução da falta de atratividade e execução das medidas que não despertem o interesse dos beneficiários e a promoção de mecanismos ajustados de controlo e gestão da transparência na aplicação dos fundos.
Acresce ainda a recomendação para assegurar, desde o início do Portugal 2030 e do PRR, a "adequação, implementação e interoperabilidade" dos sistemas de informação associados à operacionalização dos fundos, bem como a identificação das causas e dificuldades associados à articulação de "componentes de financiamento provenientes de fundos diferentes e instituir procedimentos que os reduzam".
Os primeiros concursos do programa PT 2020 foram abertos em 2015.