Num tempo de confusão e “sofisticada falsificação”, o mundo e os
homens precisam de sabedoria e discernimento para encontrar histórias que
promovam a dignidade humana, que olhem “com ternura” para os acontecimentos.
Este é o apelo do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais,
que a Igreja celebra este domingo.
A mensagem do Papa para este dia foi divulgada a 24 de janeiro, ainda antes de a pandemia de Covid-19 atingir a Europa e o mundo e passar a dominar os assuntos na comunicação social. Mas como que profetiza o tempo que, entretanto, chegou e os desafios colocados à Igreja e à comunicação social.
Com o tema “Para que possas contar e fixar na memória” (Ex 10, 2). A vida faz-se história”, o Papa dedica a mensagem deste ano ao tema da narração. “Para não nos perdermos, penso que precisamos de respirar a verdade das histórias boas: histórias que edifiquem, e não as que destruam; histórias que ajudem a reencontrar as raízes e a força para prosseguirmos juntos”, começa por dizer logo na introdução.
“Na confusão das vozes e mensagens que nos rodeiam, temos necessidade duma narração humana, que nos fale de nós mesmos e da beleza que nos habita; uma narração que saiba olhar o mundo e os acontecimentos com ternura, conte a nossa participação num tecido vivo, revele o entrançado dos fios pelos quais estamos ligados uns aos outros”, continua.
A mensagem do Papa tem uma grande preocupação em denunciar e condenar as narrativa falsas, as chamadas “fake news”. “Numa época em que se revela cada vez mais sofisticada a falsificação, atingindo níveis exponenciais (o deepfake), precisamos de sapiência para patrocinar e criar narrações belas, verdadeiras e boas. Necessitamos de coragem para rejeitar as falsas e depravadas. Precisamos de paciência e discernimento para descobrirmos histórias que nos ajudem a não perder o fio, no meio das inúmeras lacerações de hoje; histórias que tragam à luz a verdade daquilo que somos, mesmo na heroicidade oculta do dia a dia”, escreve Francisco.
Na sua mensagem, o Papa começa por lembrar que “o homem é um ente narrador” e como as histórias são importantes para definir convicções e comportamentos. “Mergulhando dentro das histórias, podemos voltar a encontrar razões heroicas para enfrentar os desafios da vida”, escreve, para logo lembrar que nem todas as histórias são boas.
“Frequentemente, nos ‘teares’ da comunicação, em vez de narrações construtivas, que solidificam os laços sociais e o tecido cultural, produzem-se histórias devastadoras e provocatórias, que corroem e rompem os fios frágeis da convivência. Quando se misturam informações não verificadas, repetem discursos banais e falsamente persuasivos, percutem com proclamações de ódio, está-se não a tecer a história humana, mas a despojar o homem da sua dignidade”, reforça o Papa.
“As histórias utilizadas para proveito próprio ou ao serviço do poder têm vida curta, uma história boa é capaz de transpor os confins do espaço e do tempo: à distância de séculos, permanece atual, porque nutre a vida”, continua a mensagem, que lembra que “a Sagrada Escritura é uma História de histórias”, que “a Bíblia é a grande história de amor entre Deus e a humanidade” e que também os Evangelhos são narrações.
“A história de Cristo não é um património do passado; é a nossa história, sempre atual. Mostra-nos que Deus tomou a peito o homem, a nossa carne, a nossa história, a ponto de Se fazer homem, carne e história. E diz-nos também que não existem histórias humanas insignificantes ou pequenas. Depois que Deus Se fez história, toda a história humana é, de certo modo, história divina. Na história de cada homem, o Pai revê a história do seu Filho descido à terra. Cada história humana tem uma dignidade incancelável. Por isso, a humanidade merece narrações que estejam à sua altura, àquela altura vertiginosa e fascinante a que Jesus a elevou”, escreve o Papa.
“Em cada grande história, entra em jogo a nossa história. Ao mesmo tempo que lemos a Escritura, as histórias dos Santos e outros textos que souberam ler a alma do homem e trazer à luz a sua beleza, o Espírito Santo fica livre para escrever no nosso coração, renovando em nós a memória daquilo que somos aos olhos de Deus”, continua a mensagem, divulgada poucos antes de, em muitos países, a Igreja ter passado a usar de forma massiva os meios de comunicação e as redes sociais para chegar aos milhões de fieis impedidos de participar presencialmente nas celebrações para evitar o contágio por Covid-19.
“Ninguém é mero figurante no palco do mundo; a história de cada um está aberta a possibilidades de mudança. Mesmo quando narramos o mal, podemos aprender a deixar o espaço à redenção; podemos reconhecer, no meio do mal, também o dinamismo do bem e dar-lhe espaço”, escreve ainda o Papa, que termina a mensagem com uma oração a Maria para que ajude os homens a “reconhecer o fio bom que guia a história” e a “construir histórias de paz, histórias de futuro”.
O Dia Mundial das Comunicações Sociais foi a única celebração estabelecida pelo Concílio Vaticano II, no decreto “Inter Mirifica”, logo em 1963, ainda antes da conclusão do Concílio. Esse decreto preconiza que a Igreja deve acolher e fomentar o uso dos meios de comunicação social.