O Tribunal da Relação de Guimarães anulou uma sentença que absolvia um empresário de Vila Verde acusado de violência doméstica e mandou repetir o julgamento, considerando que não foram feitas diligências "essenciais" para a descoberta da verdade.
No acórdão de 11 de fevereiro, consultado pela Lusa, a Relação diz ainda que o Tribunal de Vila Verde, que assinou a sentença, não procedeu ao exame crítico da prova que achou crível, "razão por que tal decisão se acha eivada de incompreensibilidade".
Refere também que o tribunal de primeira instância "olvidou os sentimentos de amizade, e até dependência económica, que ficaram patenteados em alguns dos depoimentos" de algumas testemunhas do arguido.
Sublinha que algumas dessas testemunhas "patentearam azedume e destempero" para com a alegada vítima, ex-mulher do arguido.
Acrescenta que, perante depoimentos de cariz "absolutamente contraditório" por parte de algumas testemunhas, o tribunal deveria ter promovido a acareação entre elas e ouvir outras.
Para a Relação, o Tribunal de Vila Verde deveria, assim, ter levado a efeito um conjunto de diligências "tendentes à busca da verdade material e, consequentemente, à boa decisão da causa".
No processo, uma mulher queixa-se que o ex-marido, ao longo dos 24 anos de casamento, a agrediu com bofetadas, murros, pontapés e apertões no pescoço.
Queixa-se ainda de agressões verbais e psicológicas e de ameaças de morte.
Segundo a acusação, as agressões registavam-se com uma frequência semanal, no interior da residência de ambos e na presença dos filhos comuns do casal.
A vítima diz que nunca participou criminalmente por vergonha e por medo das atitudes que o arguido pudesse tomar em relação a si e aos seus filhos.
Em julgamento, as testemunhas de defesa e de acusação fizeram declarações "completamente díspares", o que levou o tribunal a absolver o arguido, por não ter conseguido dissipar as dúvidas.
A mulher recorreu e o Ministério Público (MP) promoveu a improcedência do recurso.
Para o MP, resulta claro que arguido e ofendida têm personalidades fortes, e que havia discussões entre o casal, mas tal não é suficiente para se darem por assentes os factos constantes das acusações.
"É que parece que era o modo normal de se relacionarem, com berros e discussão, o que é avançado por todos quantos privavam com o casal", refere o MP.
Assim, para o MP, fica-se sem saber se a mulher "foi ou não agredida e insultada do modo constante da acusação, bem como se estava tão subjugada como fez crer".
Para o MP, nenhuma das testemunhas ou assistentes e arguidos apresentou maior credibilidade do que os outros.
"Nenhuma delas sobressaiu, todas se tendo afigurado credíveis. Assim, sempre o tribunal permanece na dúvida sobre como os factos tiveram lugar, já que não consegue descortinar qual das versões é a verdadeira, ou teve efetivamente lugar", defendia ainda o MP.
O Tribunal da Relação, no entanto, anulou a sentença e mandou repetir o julgamento, instando o juiz a fazer uso do princípio da investigação.
"A condução e o esclarecimento da matéria factual não pertencem apenas aos sujeitos processuais, mas ainda, e em primeiro lugar e como última instância, ao julgador. Isto é, a atividade jurisdicional não se limita ao controlo da legalidade dos atos, como ainda sobre o magistrado impende o dever de investigação judicial autónoma da verdade", sublinha o acórdão da Relação.