Está consumada a rutura com o PS e não são lançadas pontes para futuros diálogos. A moção da direção do Bloco de Esquerda para a convenção do partido, marcada para maio, acusa o PS de centrismo, recusa coligações nas eleições autárquicas, cola o PCP, o PAN e até o Presidente da República ao Governo e apresenta o Bloco como a única alternativa.
“A escolha pelo PS de uma via centrista recria uma tática que já vimos falhar em vários países. A aliança que vai dos partidos socialistas aos liberais, de António Costa a Macron, exclui novos avanços sociais do diálogo à esquerda. Sobra apenas a tentativa de chantagem sobre a perda do poder para a direita”, lê-se na moção que é subscrita pelos representantes dos principais setores do partido: Catarina Martins, Pedro Filipe Soares e Marisa Matias.
A versão final da moção foi entregue nesta segunda-feira, duas semanas depois de uma proposta com tópicos ter sido enviada aos militantes. Com o título “Sair da crise, lutar contra a desigualdade”, o texto com 10 páginas e 14 pontos começa por fazer uma reflexão sobre a pandemia que “expôs as contradições de um sistema capitalista em estagnação”.
Na última convenção, em 2018, a grande questão da moção da direção eram as condições para uma nova “gerigonça”. Agora, os dirigentes bloquistas, lembram – quase que com saudade – “a experiência da ‘geringonça’, da qual o PS se afastou e que não quis reeditar” e que “mostrou que era possível uma política que valorize salários, pensões e apoios sociais, mas esbarrou nas metas de défice impostas por Bruxelas”. E acusam o Governo de voltar a lançar “no fosso da desigualdade” os setores mais vulneráveis da sociedade e de promover “ a concentração da riqueza numa elite que despreza a justiça social”.
Exigências laborais
A direção do Bloco diz que o PS começou com “uma estratégia de provocação e ensaio de crise política” ainda na legislatura passada e que, desde aí, tem “continuado a procurar impor, em cada negociação, uma estratégia de contenção de despesa”, que já considerava errada antes da pandemia e agora se revela ainda mais.
“Face à oportunidade da atual conjuntura (juros baixos, menor pressão europeia), o congelamento de investimentos e a manutenção de bloqueios estruturais torna-se parte da catástrofe que Portugal vive. Essas opções parecem ignorar a contínua degradação do SNS e o aumento da pobreza. O desastre está em curso e o fim das moratórias de pagamento de créditos bancários é uma bomba-relógio”, acusa a direção do Bloco. “Confortada à direita pelo apoio do Presidente da República e legitimada pelo PCP e pelo PAN, a política de débeis paliativos permite ao PS expandir-se no centro político, que ocupa sozinho desde que o PSD confirmou a sua dependência tácita de uma aliança com a extrema-direita”, continua a moção.
“O crescimento abrupto do desemprego e da pobreza e o ambiente de receio que a pandemia instalou, associados às dificuldades há muito identificadas no movimento sindical e ao bloqueio imposto pelo PS à recuperação de direitos do trabalho, são obstáculos que as lutas sociais têm de enfrentar”, escrevem os dirigentes do Bloco, que colocam grande enfase nas questões laborais.
“A esquerda é hoje convocada para uma grande transformação no trabalho e na proteção social. Em termos programáticos, ela passa por uma agenda estrutural: reconstruir a contratação coletiva, repondo na lei o tratamento mais favorável e acabando com a caducidade unilateral; reduzir o horário de trabalho para as 35 horas, evitando a armadilha da conexão permanente às novas tecnologias e defendendo o direito a desligar; ampliar a agenda de direitos, com o combate à desigualdade salarial e de género e à discriminação dos trabalhadores migrantes, com a regulação dos turnos, da laboração contínua e do teletrabalho, com a exigência de contratos para trabalhadores das plataformas; combater velhas e novas formas de precarização pelo trabalho temporário, a subcontratação, o abuso dos contratos a prazo e a deslaboralização do trabalho, com alterações na lei mas também com a garantia da sua fiscalização e efetividade”, enumeram.
Defesa da regionalização e listas próprias na autárquicas
A pandemia também acentuou as desigualdades regionais, escreve a direção do Bloco. “Mantendo os fatores de atraso do país, PS e Presidente da República negaram a regionalização, mas o Bloco mantém esse objetivo. O Bloco não se resigna à inevitabilidade de um país a várias velocidades e empenha-se na criação de uma escala regional de participação democrática, através de um processo de regionalização capaz de conquistar uma maioria”, prometem.
Quanto à eleições autárquicas, o Bloco “tem como objetivo o aumento e rejuvenescimento da sua representação nos municípios e freguesias”, mas pretende fazê-lo através de listas próprias, abertas à participação de independentes
“O Bloco não realizará coligações nem com a direita nem com o PS”, propõe a direção, admitindo, contudo, “renovar coligações ou o apoio a movimentos de cidadãos com balanço positivo”.