A privatização da TAP tem vários fatores de incerteza e as regras europeias podem limitar as opções do Governo. Mas quanto mais depressa for feito o negócio, mais difícil será para o Estado recuperar o dinheiro que lá investiu.
Qual é a pressa na privatização da TAP? A questão é colocada por um antigo secretário de Estado de António Costa, Miguel Prata Roque, que ressalta que, quanto mais tarde a TAP for vendida, mais o Estado poderá obter por ela.
"Bastava nós somarmos o lucro do ano passado ao lucro do primeiro semestre para que a TAP tivesse 290,6 milhões de euros de lucro. Eu aponto para que os resultados sejam muito superiores a esse valor no final deste ano, o que significa que, do ponto de vista do vendedor, é um absurdo estar a apressar esta venda. Quanto mais tarde for vendida a empresa, mais ela valoriza.”
O Estado investiu na TAP 3.200 milhões de euros, valor que dificilmente será recuperado com a privatização, a confirmarem-se as informações segundo as quais as duas consultoras selecionadas pela Parpública para fazerem a avaliação apontam para um valor pouco acima dos mil milhões de euros.
Prata Roque, especialista em Direito Administrativo, entende que será também em função dessa avaliação que o Governo decidirá qual a percentagem a privatizar da companhia de bandeira portuguesa. Para já, está anunciado que vai ser vendido aos privados pelo menos 51% do capital da empresa.
O deputado do PSD Paulo Moniz lembra, por sua vez, que esse não é o único fator de incerteza em todo o negócio. Falta clarificar se será vendida só a TAP SA, ou todo o grupo, a TAP SGPS, que tem um buraco de mil milhões de euros.
"É preciso saber se vai ser efetivamente vendida toda a TAP SGPS, porque é diferente vender a carne e o osso ou só vender a carne e deixar o osso novamente para os contribuintes. A partir das declarações do sr. ministro Fernando Medina, nós não conseguimos com clareza decifrar.”
O deputado do PSD diz que o objetivo de integrar a TAP numa grande grupo europeu de aviação já teria sido atingido, e sem custar nada aos portugueses, se o Governo socialista não tivesse corrido com os privados da companhia.
O social-democrata defende que nenhum grande grupo europeu de aviação aceitará entrar na TAP se o Estado ainda exercer na empresa algum tipo de controlo. A reprivatização acabará assim por ter de chegar à totalidade do capital detido pelo Estado.
"Acha que um grupo privado, eventualmente cotado em bolsa; ou seja ,com um nível de escrutínio e de prestação de contas muito grande ,hesitaria entre comprar 100% da TAP e ficar nas mãos da decisão política do Governo? É evidente que não. Nós estamos como uma ingenuidade que não acontece. É muito difícil um operador privado que tenha responsabilidade perante os seus acionistas vir a investir sem ter o grau de liberdade de mandar.”
Regulamento europeu limita opções
Por seu turno, o professor de Direito Administrativo Miguel Prata Roque alerta que há regras europeias que impedem o Governo de vender a TAP ao grupo IAG(Internacional Airlines Group), que embora agregue a Iberia e a British, é detido por capital do Qatar.
“Há um regulamento europeu do transporte aéreo que exige que a titularidade de empresas europeias seja de elo menos 50,01% de acionistas europeus. Isso levanta alguns problemas relativamente ao consórcio IAG mas na verdade e detido por capital do Qatar.”
Apontado como um potencial interessado na privatização da companhia de bandeira portuguesa, o grupo IAG “dificilmente quererá manter o hub em Lisboa, estando Madrid aqui tão perto”, na perspetiva do presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil. Mas Tiago Faria Lopes alerta que a compra da TAP pela Lufthansa ou pela Air France também poderá ter desvantagens.
"No grupo Air France KLM as duas empresas não se entendem, porque a Air France está neste momento a sonegar os voos que há em Amesterdão. As duas empresas estão de costas voltadas. Não há uma relação muito saudável. E nós também somos os concorrentes diretos na África subsariana da própria Air France. Há aqui prós e compras."
Já a Lufthansa, adianta, é preciso "analisar com cuidado". "Todos nós sabemos que a companhia está com um hub muito longe de Lisboa, naturalmente. Mas o que é que a Lufthansa faz às companhias que compra? Comprou a Austrian Arlines e conseguiu diminui-la. Seria como comprar a TAP e diminui-la para ficar com o tamanho da Portugália.”
Tiago Faria Lopes sublinha que, na negociação que o Governo vai ter com os potenciais candidatos à compra da TAP, é fundamental assegurar a manutenção do hub de Lisboa (nó de ligação à rede mundial de aviação) por uma período de pelo menos 30 anos.
O deputado socialista Hugo Costa garante que a manutenção do hub de Lisboa é uma condição sine qua non da privatização da TAP.
"É estratégico para o país que o hub de Lisboa continue. E qualquer negociação para a privatização tem de colocar essa questão como prioritária. Por isso é que a privatização não pode ser feita com base na proposta mais alta. Porque sabemos que pode haver grupos já citados com capital no Qatar que podem colocar em causa o hub de Lisboa."
Quanto à garantia dada pelo Governo de que os trabalhadores ficarão com 5% do capital, o presidente do Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil diz que serve de pouco, porque os trabalhadores perdem essa posição no primeiro aumento de capital que fizer o novo acionista. Já foi assim na anterior privatização, em 2015.
“Nós já tivemos esses 5% no passado, e o que é que aconteceu? Houve uma operação harmónio [um aumento de capital que todos os acionistas têm de acompanhar] e ficámos reduzidos a zero", destaca Tiago Faria Lopes.
"É tudo muito giro, muito politicamente correto. Mas sabemos bem quais são os riscos inerentes a esses 5%. Nós não conseguimos acompanhar uma subida de capital. Inclusive tivemos uma reunião com Pedro Nuno Santos, na altura ministro das Infraestruturas, e perdemos muito dinheiro, mas tivemos de compreender. É a lei. Temos de respeitar, mesmo não concordando.”
As declarações ao programa Em Nome da Lei, da jornalista Marina Pimentel, podem ser ouvidas aos sábados na Renascença. O programa está sempre disponível nas plataformas de podcast.