Chefias "desumanas", depressões e suicídios nas corporações. A imagem que três agentes da Polícia de Segurança Pública ouvidos pela Renascença "pintam" da profissão é dura.
Portugal tem sido palco, nos últimos anos, de vários protestos por parte dos agentes da PSP. Reinvindicam, sobretudo, por aumentos salariais e pela dignificação profissional. Esta sexta-feira, concentram-se junto ao Palácio de Belém, assumindo que pretendem apelar ao Presidente da República para que exerça o seu poder de influência junto do Governo no sentido da alteração dos vencimentos.
As constantes reinvidicações terão surtido algum efeito, já que a partir do próximo ano os ordenados dos agentes poderão sofrer um aumento. A proposta de Orçamento de Estado para 2023 prevê um financiamento para a segurança interna de cerca de 2,47 mil milhões euros, sendo que mais de metade desse valor vai ser utilizado para os aumentos salariais da PSP e da Guarda Nacional Republicana (GNR).
Para 2023, os agentes da PSP e guardas da GNR na primeira posição
remuneratória podem vir a beneficiar de um aumento de 90,64 euros,
passando dos atuais 809,13 euros para 899,77, a que se junta um aumento
de 18,13 euros do suplemento de risco, que sobe para 279,95.
Em entrevista à Renascença, o agente Manuel Lage considera a medida tardia e antevê que não irradica "as muitas desilusões" vividas ao longo dos quase 30 anos enquanto agente da PSP.
"Chefias desumanas", tempos de espera altamente descabidos para laborar na área de residência e ocorrência de suicídios na corporação, são alguns dos problemas apontados pelo agente, que diz acreditar numa receita para solucionar tudo isto ou, pelo menos, diminuir estas lacunas: "Mais união entre todos os polícias".
Manuel revela que tem hoje o mesmo ordenado que recebia há 10 anos e esse é um dos motivos que o leva a dizer que se voltasse atrás "escolhia outra profissão".
O agente Manuel Lage conta que conseguiu a transferência para a área de residência anos mais cedo do que o previsto por ter concorrido para o Corpo de Intervenção. A lista de espera, que pode ir entre os 10 aos 18 anos, é muitas vezes manipulada por elementos que passam à frente "com justificação de título excecional, quando a maior parte deles não se justifica".
Nos cargos de chefia estão, muitas vezes, "pessoas que nem sequer deviam comandar homens e mulheres, que não são humanos e não vêm as coisas de forma justa", o que tem "originado inúmeros suícidos na corporação, assim como depressões", diz Manuel Lage.
Com mais ou menos anos de serviço, as queixas não divergem. Há quatro anos na PSP, Ana Lage, dirigente do Sindicato Independente dos Agentes da Polícia, garante que é esta a profissão que quer seguir "para o resto da vida". Reconhece algumas lacunas na instituição, como, por exemplo, a falta de condições dos camaradas vivem nas camaratas. Ela própria testemunhou durante três meses, "água fria, infiltrações e humidade".
A agente da PSP admite que "não é difícil viver, é difícil sobreviver" com um ordenado "pouco mais alto do que o salário mínimo nacional, já para não falar do subsídio de risco que deveria ser proporcional ao risco que efetivamente passamos".
Um percurso semelhante, mas com uma saída alternativa, ao fim de 22 anos, teve António Sousa, que optou por uma carreira com melhores condições e decidiu entregar o distintivo. É agora inspetor da UE na área das pescas, mas não esconde o "orgulho" que tem em ter representado a Polícia de Segurança Pública, que considera como "uma segunda casa".
Sousa defende que ser polícia "é uma carreira muito dignificante, mas mal remunerada, mal vista por uma parte da sociedade".
O antigo agente da PSP lamenta as muitas situações que assitiu de "colegas que a seguir a um turno suicidavam-se". Defende que os "serviços que tomam contas destas situações podiam ir muito mais longe, tendo em conta a exigência diária de um polícia".
As soluções, diz António Sousa, poderiam passar por "deixar de haver gratificados e passar a ser mais bem remunerado o complemento", assim como existir um "incentivo a nível de alojamento e mobilidade", afirma.
Os números confirmam a realidade relatada por estes agentes. Um estudo apresentado este ano pelo
Sindicato Independente dos Agentes de Polícia (SIAP) concluía que, nos
últimos 22 anos, 165 agentes das forças de segurança cometeram suicídio. O mesmo estudo revela que
a taxa de suicídio nas polícias é de 16,3 por cada cem mil, quase o dobro da registada entre a população em geral, que é de 9,7.
Contactada pela Renascença sobre os casos de suicídio, a PSP afirma que este é um problema difícil de detetar. Fonte daquela força de segurança esclarece que têm sido implementadas várias medidas de prevenção, com uma linha de apoio psicológica, em permanência, e ações de sensibilização.