Bencatel. Há três meses a racionar a água “de manhã ao sol-posto”
31-10-2017 - 16:46
 • Rosário Silva

Aos habitantes da freguesia de Vila Viçosa valem as garrafas, garrafões, alguidares, baldes e outros recipientes que se enchem quando é possível para que a água não falte ao longo do dia.

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Noémia chegou para dar uma notícia à vizinha Maria da Conceição, mas acabaram a falar no problema que já faz parte do dia-a-dia de Bencatel, concelho de Vila Viçosa: o abastecimento de água.

À conversa com a Renascença, ambas dizem viver esta “desgraça”, com muita apreensão. “A minha irmã, que mora na zona mais alta, abala de manhã para o trabalho e não pode tomar banho porque não tem água. E chega à tarde é mesma coisa”, conta Maria da Conceição.

Aos 1.720 habitantes da freguesia valem as garrafas, garrafões, alguidares, baldes e outros recipientes que se enchem quando é possível para que a água não falte de todo. É assim desde o inicio de Agosto, altura em que, por causa da seca, os dois furos que abastecem a freguesia entraram em colapso.

Desde então, tem sido um tormento, quer para o município, que não consegue encontrar uma solução definitiva, quer para as pessoas, que todos os dias convivem com este problema numa altura em que ainda está muito calor.

A solução, provisória há demasiado tempo, envolve autarquia e bombeiros voluntários. O depósito de água que serve a localidade está a ser abastecido, durante quase 24 horas, pelos bombeiros com camiões cisterna e autotanques, bem como através de uma conduta de abastecimento de água proveniente de Vila Viçosa.

“Se não fossem os bombeiros não sei como era. E mesmo assim queremos lavar uma roupa, tomar um banho como deve ser, e não conseguimos”, queixa-se Noémia.

Um camião-cisterna transporta 30 mil litros de água de cada vez, demorando cerca de uma hora a encher o depósito. No ultimo sábado, apurou a Renascença, foi abastecido 10 vezes, cerca de 300 mil litros. Mesmo assim não foi suficiente.

“Sabe, ao fim-de-semana, as pessoas querem fazer as suas limpezas, lavar a roupa e gastamos mais água, mas não podemos evitar”, diz Maria da Conceição que se queixa também da cor da água: “A água vem turva e ainda ontem tive de ir comprar garrafões para fazer a comida pois não faço com a que sai da torneira.”

Somam-se os lamentos de uma população que se vai conformando a viver com a água racionada. Pelo menos entre as 22 horas e as 7 da manhã não há água, mas é sobretudo na zona alta da freguesia que se verificam os problemas maiores. “Há pessoas que, às vezes, logo a partir das 6 da tarde já não têm água”, relata Noémia, que recebe de imediato a aprovação da Maria da Conceição: “De manhã ao sol posto, é uma desgraça”.

O presidente da junta que também toma banho às prestações

O empresário José Cardoso chegou, nas autárquicas de 1 de Outubro, à presidência da junta de freguesia de Bencatel, eleito pela CDU, a mesma cor política da câmara municipal de Vila Viçosa. “Nunca pensei que esta situação se prolongasse tanto tempo”, confessa à Renascença.

Contudo, nada que o desanime no propósito de, quanto antes, ver o problema resolvido. É nesse sentido que está em contacto permanente com o município calipolense. “Foram feitas análises à água de uma pedreira que se encontra próxima do furo, na Nora, na estrada do Alandroal”, explica-nos. Neste momento, “a câmara está a efectuar uma ligação à antiga conduta desse furo com o objectivo de canalizar a água da pedreira para o abastecimento à população”.

Mas a verdade é que já lá vão três meses, sem chuva e com um calor, por estes dias, absolutamente anormal para a época do ano. “Eu, com 51 anos não me recordo de uma coisa assim”, reconhece José Cardoso. Lembra que a região sempre teve muita água e que “bastava abrir um furo artesiano em qualquer zona da freguesia para jorrar [água] em abundância”.

Acresce a esta situação, o facto dos “dois furos artesianos que abastecem a freguesia terem secado, precisamente, na mesma altura, o que fez com que tivesse tão grande impacto”, acrescenta o presidente da junta.

José Cardoso sente na pele o que muitos habitantes da freguesia, também, sentem. É em Bencatel que reside, na zona mais alta, igualmente, a mais afectada. “Temos uma característica geográfica muito peculiar, com uma construção inclinada e quando se acaba a água no depósito, as pessoas que vivem na zona mais alta sentem logo a sua falta”, descreve o empresário.

À Renascença, José Cardoso garante que não tem sido nada fácil aprender a lidar com um racionamento de água tão prolongado. “Faço como as outras pessoas, no caso do banho, temos de aquecer uma panela de água e lavamo-nos dessa forma. É constrangedor, mas não há outra maneira possível”, acrescenta.

E para quando uma solução? “Olhe, sei que a câmara está a encetar esforços para que, até ao final desta semana, possa solucionar parcialmente o abastecimento de água ou seja transportá-la da dita pedreira até à população, através de condutas”, adianta.

“Também sei”, prossegue, “que a autarquia tem um furo artesiano aberto há cerca de um mês, no campo de futebol com alguma água, pretendendo efectuar a ligação à conduta principal.”

Entre o que o presidente da junta sabe e o que a população desconhece, a verdade é que três meses depois, a água continua a faltar nas torneiras de Bencatel, apesar de se esperar “para breve uma solução”. Chover é fundamental, mas não resolve o problema no imediato. É preciso que a própria população continue a colaborar.

Diz José Cardoso que, apesar das dificuldades, ainda se verificam alguns desperdícios. “Há pessoas que continuam a lavar calçadas e quintais com água a correr e isso não pode continuar”, menciona para concluir com um pedido: “Temos, todos, de proceder de uma forma coerente e homogénea, pelo bem da freguesia que é o bem da nossa comunidade”.