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A morte de nove sacerdote da diocese vítimas de Covid, os frequentes contágios entre padres e a suspensão do culto público são eleitos pelo bispo do Porto, D. Manuel Linda, como os momentos de “grande dificuldade” em “lidar com esta dramática pandemia” que agora dá sinais de abrandar no nosso país.
Em entrevista à Renascença, D. Manuel Linda afirma que “a grande dificuldade foi ter de encerrar o culto, quando não tínhamos nenhum modelo histórico de outra altura da vida em que isso tivesse acontecido. Depois, à medida que a pandemia foi evoluindo, surgiram "os frequentíssimos casos de contágio entre sacerdotes e entre pessoas ligadas mais diretamente à administração. E, inclusivamente, a morte de nove sacerdotes, que perdi”.
“Isso foi a grande dificuldade de lidar com esta dramática pandemia que, graças a Deus, parece já em fim de linha”, reforça o bispo do Porto.
D. Manuel Linda recorda que foi a diocese do Porto a primeira a suspender as celebrações comunitárias, em Felgueiras e Lousada, “o que se revelou a melhor decisão”.
Lição n.º 1: O drama da solidão, a violência doméstica, a pobreza e a fome
O bispo do Porto lembra o drama da solidão e conta um recente episódio vivido com uma idosa institucionalizada: “Há poucos dias, estive com uma senhora, já vacinada e que já sente tranquilidade para poder falar com as pessoas, que me disse que esteve um ano e um mês sem estar com os filhos. Que só os via de vez em quando a partir de aplicações do telemóvel. Isto é dramático."
“A senhora tinha ficado viúva no ano anterior. Vivia com o marido no mesmo lar e ficou completamente isolada. Nem teve sequer a possibilidade de ver fisicamente os filhos”, detalha D. Manuel Linda.
"Isto vai afetar a saúde psicológica daquela pessoa”, aponta o prelado, acrescentando: "O aspeto da solidão, o aspeto da pobreza, o aspeto da violência doméstica, porque as pessoas, não se sentindo bem, normalmente, têm a tendência de levar para dentro do lar aquela violência mais ou menos interior que os nossos que têm de aturar, tudo isto são franjas do mesmo tecido que foi este tempo de pandemia e que nós podíamos simplesmente descrever como dramático. São franjas do mesmo drama."
Lição n.º 2: Sem paróquias e IPSS “a sociedade sofreria muito mais”
D. Manuel Linda não tem dúvidas de que "a sociedade sofreria muito mais” se a Igreja e, em particular, as suas instituições sociais não tivessem assumido o papel de têm vindo a desempenhar ao longo da crise que temos vivido.
O bispo do Porto sublinha que “a maior parte das paróquias já tinha esse serviço e teve de o aumentar", mas outras havia que "não tinham um serviço de refeições ou de distribuição de géneros alimentícios e tiveram de o criar a partir do zero”.
D. Manuel Linda garante que, nesta altura, “a maior parte das paróquias da Área Metropolitana está, de facto, a servir refeições já confecionadas ou a servir produtos alimentícios”.
“Se, mesmo assim, já temos muito dificuldade, obviamente que, sem isto, então a sociedade sofreria muito mais. Disso não tenhamos ilusão”; assegura.
O bispo destaca esta proximidade da Igreja “à vida das pessoas” que se “fez de muitos modos e com muitos agentes”, a começar “no exemplo dos sacerdotes”, mas passando “pelos animadores dos grupos, pelos jovens que foram tomando a iniciativa”.
“Lembro-me de uma paróquia quando me apresentou o projeto que eu achei maravilhoso. No grupo, cada um dos jovens tinha a obrigação de telefonar a cinco pessoas ao longo da semana. E telefonava as vezes que fizesse. Isto é muito belo.”
"A mesma coisa fizeram os catequistas em relação aos pais e aos alunos”, adianta. O bispo entende que “isto é uma experiência que não pode terminar quando a pandemia terminar. Pelo contrário, tem de continuar porque entra no cerne da vida da Igreja que é um regime de proximidade”.
Lição n.º 3: Estado tem de reformular relação com as IPSS
Neste ponto, D. Manuel Linda defende que "ao Estado pede-se que reformule por completo a sua relação com as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), a vários níveis”.
"Um deles é o nível do montante da comparticipação”, aponta D. Manuel, garantindo que “o Estado, efetivamente, não está a transferir muito mais do que um terço da despesa real/efetiva dessas instituições de solidariedade social”.
Para além destes aspeto, o bispo sustenta que há mais "a corrigir”, pois “a grande problemática coloca-se ao nível dos regulamentos” . D. Manuel Linda alude a todas as “situações que, por vezes, obrigam a obras volumosas porque não se cumpre uma determinada regra por um centímetro”.
“Portugal está hoje com uma legislação típica de países riquíssimos, quando nos encontramos, por vezes, em situações de zonas de exclusão completa”, observa.
“Isto coloca-se com muito mais acuidade nas dioceses do interior, onde a totalidade dos utentes, ou quase, está nas instituições com o RSI [Rendimento Social de Inserção]."
"Essas pessoas têm de reforma cerca de 300 euros, quando a despesa real ultrapassa os 1.200”. E reforça: "Se nós não conseguirmos aguentar, milagres não sabemos fazer”.
"O Estado tem de repensar muito bem a sua presença no social por intermédio destas instituições da Igreja e outras, porque a problemática não se coloca apenas nas nossas instituições”, remata.
A Obra Diocesana de Promoção Social é uma das instituições da diocese do Porto com “um problema acrescido muito grande de viabilidade e sustentabilidade”.
D. Manuel Linda revela que vai ser necessário “proceder à sua readaptação porque, se a deixássemos estar como está, ela seria ingerível”.
O bispo faz questão de esclarecer que “a Obra Diocesana de Promoção Social está nos bairros mais pobres; não está presente em nenhum daqueles bairros mais elegantes da nossa cidade."
"Tem 12 centros com 55 valências que vão desde a infância à terceira idade. É uma obra volumosa com mais de 300 funcionários” e que, portanto, “tem um problema acrescido, muito grande de viabilidade e de sustentabilidade", aponta, ainda D. Manuel.
"Temos de proceder à readaptação à realidade porque se deixássemos estar a situação como está ela seria ingerível."
O bispo elogia a direção onde estava “gente de muita categoria” e diz que “agora tomou posse uma nova direção, com muito ânimo com muita força de vontade”.
D. Manuel Linda regressa à problemática da comparticipação “mínima do Estado” referindo que “este é um sector complicado que mexe com muitos dinheiros” pelo que é “fundamental continuar a contar com a colaboração da liga de amigos” e continuar a procurar “obter ajudas de instituições privadas e publicas”.
“Temos de fomentar isso muito mais porque a sustentabilidade é um problema forte, neste momento”, reforça.
Lição n.º 4: A "chicotada psicológica" na Europa e a preocupação com o desemprego
O bispo do Porto manifesta também preocupação face ao desemprego, em particular com o efeito que a pandemia teve no sector do Turismo.
“Se não regressarem os turistas, não temos os barcos a funcionar no Rio Douro, não temos os cafés e os restaurantes abertos, não temos guias turísticos a acompanhar os grupos. Toda esta gente perde o seu trabalho e são largos milhares”, diz o prelado.
Contudo, D. Manuel Linda assinala uma alteração de comportamento ao nível da União Europeia e mostra-se convicto de que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “possa ser um importante instrumento” na recuperação do emprego, desde que “a União Europeia e, neste caso concreto, Portugal criem mecanismos legais e de outro género para que esses problemas [desvio de fundos]) não existam mais”.
O bispo do Porto mostra-se otimista quanto a uma boa gestão da chamada “bazuca europeia” desde que seja “decretada tolerância zero ao abuso”.
Otimismo é também a palavra para descrever o momento da União Europeia. D. Manuel Linda afirma-se "alegre" pelo facto de a União Europeia, “particularmente a partir da pandemia e a partir do Brexit" ter "levado uma chicotada psicológica” que a fez refletir sobre as razões de, por um lado, haver “países a querer sair” e, por outr,o “estar a baixar o número daqueles que acreditam na União Europeia como um projeto solidário”.
Na perspetiva do bispo, estes factos levaram a União a “rever os seus critérios”, o que, para já, “quanto é dado ver, vai numa direção feliz e numa direção que nos interessa a todos nós”.
Num plano mais global, permanecem os receios do bispo em relação aos movimentos fundamentalistas e aos populismos. D. Manuel Linda nota que eles são potenciados “pela globalização da comunicação e pelo empolamento que acontecimentos de segunda ou terceira importância que nos levam a apelar mais ao emotivo do que ao racional”.
“Os partidos populistas usam isto. Pegam na novidade da presença de outras raças, nalguma desagregação social típica desta altura e, depois, hábeis como são a usar a comunicação de massas, como Hitler já o era e também Mussolini, empolam, extravasam a irracionalidade”.
"Esta problemática dos partidos populistas coloca-se no presente e, oxalá me engane, vai colocar-se de forma ainda muito aguda no futuro”, receia o bispo do Porto, para quem o problema só se resolve “com o crescimento humano, ético, civilizacional da nossa população”.
Lição n.º 5: “Estar de sobreaviso para não repetirmos os erros históricos”
A perspetiva do fim da crise pandémica é um horizonte de alívio e de esperança, mas também de preocupação, tendo em conta o que aconteceu no passado em situações comapráveis.
“É o medo que eu tenho. Sim, a experiência indica-nos que depois dos grandes dramas que a humanidade sofre, quase sempre vem, depois, um tempo de relaxamento dos costumes e até da relação com os outros. Foi assim no final da I Guerra Mundial e da II Guerra Mundial. Foi assim, também, no final da pandemia de 1917 e noutros dramas da humanidade”, confessa o bispo.
D. Manuel receia que “depois destes dramas, haja um clima de euforia e a euforia muitas vezes traduz-se em desfrute individual”.
“Temos de estar muito de sobreaviso para não repetirmos os erros históricos que já aconteceram noutros períodos”, remata o bispo do Porto.