Passam poucos minutos da dez da manhã, mas na Cozinha com Alma já cheira a comida. O creme de bróculos está quase pronto; no tacho gigante, os patos estão há mais de duas horas a cozer e, ali ao lado, duas funcionárias descascam dezenas de ovos para a pescada à Brás.
Na Cozinha com Alma trabalham 24 pessoas para além dos muitos voluntários que dedicam uma parte do seu dia a ajudar este projeto social.
Carmo Barros é uma delas. Sobe e desce as escadas com ligeireza, está equipada a rigor, bata branca, toca e máscara. Carmo Barros trabalhou nos jornais, foi assistente editorial, nunca tinha trabalhado numa cozinha.
“Foi através de amigas comuns que fiquei a conhecer este projeto e, como já não trabalho e não consigo ficar em casa sem fazer nada, decidi ajudar. Estou aqui há cinco anos e em muito boa hora”, conta à Renascença.
Carmo Barros fica na reta final do trabalho na cozinha: embalar a comida, etiquetar as embalagens para irem para a loja, “mas também tenho de garantir que há caixas suficientes e por isso trato do inventário”.
A pandemia fez reduzir o número de voluntários que todos os dias integram este projeto, mas agora, aos poucos e cumprindo as regras de segurança sanitária, alguns já voltaram.
Muito mais do que um simples prato de comida
A Cozinha com Alma é um “take-away” onde o lucro das refeições vendidas ao público geral permite subsidiar as mesmas refeições para as famílias da bolsa social. A ideia surgiu há mais de 8 anos. Com a crise económica, Cristina de Botton começou a sentir à sua volta que muitas pessoas passavam dificuldades e decidiu que tinha de fazer alguma coisa.
“Eram famílias que nunca tinham precisado de ajuda e é muito difícil dar esse primeiro passo. Quando chegam a nós já estão muito fragilizadas”, conta a fundadora e presidente da Cozinha com Alma.
Neste momento, ajudam 72 famílias do concelho de Cascais, que são selecionadas pela assistente social do projeto e pelas juntas de freguesia de residência. Aqui a missão é apoiar e capacitar famílias que estejam a viver dificuldades financeiras temporárias, através do acesso a refeições de qualidade a um preço simbólico e a um plano de capacitação e acompanhamento.
Ana Avillez, diretora executiva da Cozinha com Alma, conta que cada família é diferente e precisa de ser acompanhada. “Por vezes, há situações de sobreendividamento, de desemprego, de emprego precário e os mentores ajudam as famílias a serem autónomas porque o apoio é temporário”, conta.
A pandemia somou dificuldades económicas a mais famílias e por isso a Cozinha com Alma lançou um novo programa – o CO-alma – para dar resposta às famílias que estão a ter dificuldade em garantir as suas despesas básicas.
“O programa apoia 40 famílias, a somar às 72 que integram a nossa bolsa social. É um apoio que tem a duração de um mês e que pode ser renovado, mediante uma avaliação” relata a diretora executiva da Cozinha com Alma.
Além do lucro das refeições, a associação conta com o apoio de vários parceiros e ainda de donativos.
Desde o início da pandemia, nunca deixaram de trabalhar. As vendas aumentaram e o novo serviço de entrega ao domicílio permitiu conquistar mais clientes fora do concelho.
“É uma ideia brilhante. A comida é melhor que no restaurante”
Nuno Campos entra na loja com um saco amarelo debaixo do braço. Está junto ao frigorífico dos congelados, conhece bem os cantos à casa. “Eu já morei aqui perto, em Cascais, mas agora vivo em São Pedro de Sintra, mas venho cá três vezes por semana. Não gosto de cozinhar e a minha mulher e o meu filho são vegetarianos. Aqui tem todas as comidas que gosto”, conta.
“O meu prato favorito é o bacalhau com broa, melhor do que em qualquer restaurante”, garante à Renascença. Nuno Campos já vai à Cozinha com Alma comprar comida há vários anos e considera que “esta ideia é brilhante porque ajuda muitas famílias”.
Na loja, há refeições congeladas, e outras que precisam apenas de aquecer no micro-ondas. A ementa é muito variada: há empadão de atum, souflés, empadas, croquetes; há sete pratos diferentes de bacalhau, arroz de pato, rosbife, strudel de legumes, etc.
Cada um deles tem quatro preços diferentes: o de venda ao público e os três escalões onde estão integradas as famílias – e que podem custar, por exemplo, 30, 60 ou 90 cêntimos.
“Cada família tem um cartão com um plafond máximo por mês que permite ter uma refeição diária para cada elemento do agregado familiar. Tem de gerir o seu orçamento”, conta Cristina de Botton, sublinhando que as “refeições são muito variadas e todas com muita qualidade”.
A um mês do Natal, a ementa já está disponível para encomendas e à porta da loja está uma árvore de Natal feita com tábuas de madeira onde estão penduradas 72 estrelas – uma por cada uma das famílias da bolsa social.
Cristina de Botton tira uma delas. “Esta família tem quatro pessoas: mãe com 49 anos, pai com 45, filho com 19 e filha com 13. A ideia é colocar no cabaz os alimentos essenciais para a ceia de Natal, mas há quem coloque também um presente para a família”, revela.
A fundadora da Cozinha com Alma diz que qualquer pessoa pode assim ajudar e dar um “mimo” a estas famílias nesta época de Natal.